Alma caridosa emprestou-nos uma pré-histórica maquineta (vulgo computador) em que tentamos não perder a passada.
Enquanto aguardamos pela recuperação de uma "placa gráfica" do nosso VAIO, aqui ficam as primeiras imagens da nossa deslocação,hoje, de manhã, à Escola EB2.3 de Alcochete.
Uma espécie de ARTE AO DOMICÍLIO resultado da acção conjugada do artista plástico e do CRAM/ATELIER DE ARTES.
Ainda sem tempo para digerir a riqueza da aula que juntou duas turmas de malta irrequieta mas interessadíssima numa manhã enregelada e cheia de neblinas por todo o lado.
Uma experiência para continuarmos amanhã e que terminou com a nossa intervenção directa nalguns dos trabalhos que a criatividade dos próprios alunos está a trazer à luz do dia.
Mas.... o momento que ficou para sempre gravado na nossa memória foi quando um aluno nos confidenciou que tinha estado a desenhar "ontem à noite um desenho e se o podia mostrar?!"
Claro, venha ele, dissemos-lhe!
O espanto, quando, ao preparamo-nos para descrever o quadro a toda a turma, o "Filipe" (nome ficcionado) nos pede para não revelar a mensagem nele contida mas que, rapidamente, no final, ecoará por toda a sala.
Rogava, então, a dita, "Margarida" (nome ficcionado) queres namorar comigo?"
Foi então que perguntei ao "Filipe" quem era a Margarida e se ela já tinha aceite o pedido!
De imediato, aponta o dedo - Filipe, não apontes, pedimos,- e, meio desiludido, adianta, "não, ela ainda não aceitou!!"
Aí só nos restou dizer-lhe do alto dos nossos "16 anos", Filipe, tem calma, isto não vai logo à primeira mas com um desenho tão bonito vais ver, vais ver!!"
SIM, A ARTE NÃO EXISTE. A ARTE SOMOS NÓS!
Vais ver, "Filipe"!!!
2
Obrigado, professora Adelaide, por esta oportunidade!
Ah!Ajude lá o nosso amigo "Filipe"!!!
Ele é um verdadeiro artista!!!
antónio colaço
Alma caridosa emprestou-nos uma pré-histórica maquineta em que tentamos não perder a passada.
Enquanto aguardamos pela recuperação de uma "placa gráfica", aqui ficam, no post seguinte, as primeiras imagens da nossa deslocação,hoje, de manhã, à Escola EB2.3 de Alcochete.
antónio colaço
FALTAM OITO HORAS PARA TERMINAR A EXPOSIÇÃO "A ARTE NÃO EXISTE.A ARTE SOMOS NÓS" QUE TENHO PATENTE NA PRAÇA DOS CINEMAS DO FORUM MONTIJO.
Ou, TENS OITO HORAS PARA ATRAVESSAR A PONTE E DARES UM SALTINHO AO FORUM MONTIJO!
Ou ainda....de que te queixas se nunca tantos milhares de olhares tropeçaram numa ínfima parte da tua obra?
Querias estar no CCB?
Querias que o Tio Joe estivesse a negociar a aquisição da tua mota?
Querias que a nova gestora da Casa de Serralves te convidasse para uma grande retrospectiva da tua obra aceitando,pelo menos 400 obras para festejares os 40 anos de actividade plástica?
Querias que os Porfírios,os Pinharandas,os Joões Fernandes,os Alexandres Melos,os Alexandres Pomares se curvassem todos a teus pés?
Quiçá, querias Louvranear como a querida Joana Vasconcelos?
Meu filho,reduz-te à tua insignificância e, logo,ao cair da noite,recolhe, de mansinho, ao armazém de marketing do Forunzinho.
Vais juntar-te a milhares de outros tantos placards para quem o seu tempo já foi!
Onde está, afinal, essa coerência que te fez proclamar que a arte não existe?
Sim, a arte és tu!
Então,cala-te!
antónio colaço
Acabadas de fazer para aproveitar três ovos ameaçando terminar o prazo de validade.
Assim, sempre valem para alguma coisa.
No noviciado capuchinho, aqui evocado, tinhamos de aprender a cozinhar.
A minha saudosa Mãe industriou-me na arte das sopas e, no doce, conduziu as minhas mãos para as farófias.
Resultado, o meu alcunha de noviço: Frei Farófias!!!
Sirvam-se!
antónio colaço
Frei Bento Domingues
In Público
ANO DA FÉ, UM DECRETO PARA QUÊ (3)
1. No passado domingo, referi alguns dos movimentos que, durante a primeira metade do século XX, não aceitaram um destino previsível: a uma religião exterior ao tecer do mundo, sucederia um mundo fechado a qualquer transcendência.
Esses movimentos recusaram as alianças da Igreja com os poderes de dominação que a divorciavam de Cristo, dos pobres, do mundo operário e dos novos percursos culturais de surpreendentes e estranhas linguagens filosóficas, científicas, poéticas, musicais, artísticas. Eles desejavam-na mais leve, mais disponível, sem fixações doutrinais ou rituais que a impedissem de caminhar no interior misterioso de Deus e do mundo. Para ser fiel à sua condição de peregrina do Absoluto, bastavam-lhe provisórios recursos de viagem.
Com erros e acertos, procuravam que a Igreja fosse vivida e entendida, na diversidade de carismas e serviços do povo cristão, como voz de Cristo num mundo dilacerado por duas terríveis guerras mundiais. A repressão exercida sobre as expressões dos mais audazes criou uma atmosfera irrespirável, em vários sectores católicos. Perdia-se a esperança de que ela se tornasse um espaço de liberdade. Temos muitas narrativas dessa situação.
2. João XXIII, com os olhos postos nesse mundo em transformação, apostou no aggiornamento da Igreja. Este termo, usado para expressar uma das intenções fundamentais do Vaticano II, é muito mais do que uma operação de marketing ou um truque, como se este Papa procurasse uma imagem modernaça para um catolicismo envelhecido. Entretanto, já circulava outra expressão de sinal oposto, "voltar às fontes". Acabaram ambas conjugadas com os enigmáticos "sinais dos tempos". A aproximação destas metáforas é um bom caminho para perceber a importância incontornável da iniciativa deste Concílio, sem cair na sua sacralização.
Quando se proclama o texto do Evangelho, na Eucaristia, começa-se sempre por dizer "naquele tempo", como se fosse necessário manter a comunidade cristã colada ao passado. Se isso fosse verdade, o Evangelho seria uma boa notícia, não para nós, mas para "aquele tempo". O paradoxo desta linguagem não é inocente nem passadista. Mantém o contraste de uma tensão essencial ao tempo cristão da fé.
Por um lado, não temos de resolver os problemas do primeiro século da era cristã, sejam de ordem teológica, religiosa ou social, como certa investigação exegética poderia sugerir. Pelas pessoas de há dois mil anos, a única coisa que poderíamos fazer seria rezar pelo seu eterno descanso. O passado não é o objecto da evangelização.
Se a Eucaristia exige a sua proclamação é, precisamente, porque o considera a melhor notícia para as pessoas do mundo de hoje. Com uma condição incontornável: que seja a partir dos problemas concretos das comunidades de hoje, nas linguagens que reconheçam as suas interrogações mais profundas e urgentes. A Eucaristia é de vivos e para vivos e só tem sentido se Cristo está actuante e pode vivificar a fé, a esperança e o amor da comunidade.
Então porque continuar a repetir e a insistir em dizer sempre "naquele tempo"?
O cristianismo nasceu não nas nuvens do mito, mas na história. O Verbo de Deus fez-se fragilidade humana. É nessa fonte, sempre fecunda, que precisamos hoje de beber. É nessa fonte que beberam todas as pessoas que, ao longo dos séculos, consentiram em deixar transformar a sua vida e trabalharam na transformação do seu tempo. Esta é a tradição viva, muito diferente de um museu da santidade.
3. Não podemos deixar de nos congratular com muitas iniciativas e publicações para celebrar, estudar e avaliar a herança do Concílio Vaticano II . Esperemos que não seja para o arrumar de vez.
Dir-se-á que ainda não há distância suficiente para interrogar e avaliar o período pós-conciliar que, segundo alguns observadores, misturou a Primavera com o Inverno, de que falava Karl Rahner. Mais delicada ainda será a apreciação das medidas da Congregação da Doutrina da Fé que atingiram os mais inovadores teólogos e movimentos teológicos e pastorais, nos diversos continentes, sobretudo nas décadas de oitenta e noventa, medidas que, aliás, ainda não estão cansadas.
A distância, em temos históricos, é de facto curta. A Igreja dispõe de academias para avaliações históricas de carácter científico. Mas a vida e as instituições da Igreja não se situam todas a nível académico.
Diante dos gravíssimos problemas actuais da sociedade e da Igreja, nota-se um tal retraimento e timidez, que é legítimo perguntar: não estarão as comunidades cristãs a serem vítimas de um longo período no qual a sua voz não contou para nada? Quando, agora, nos interrogamos sobre a sua falta de empenhamento militante, talvez esqueçamos uma resposta antiga: ninguém nos convocou, ninguém quis ouvir a nossa voz, compartilhar as nossas dúvidas e interrogações, tomar a sério a nossa situação pouco canónica e pouco alinhada com a opinião dominante. Deixaram-nos em autogestão...
A preocupação do Ano da Fé talvez não seja para aqueles que só procuram paz e sossego.
A fé cristã não é um calmante. É a certeza de que sem obras está morta (Tiago, 2-4).
1) Cf. Communio, n.º 3 - Setembro; Didaskalia, vol. XLII, 2
COMENTÁRIO
Não foi em vão, meu caro Frei Bento, que criámos o Grupo no FacebooK:
A IGREJA SOMOS NÓS!
VATICANO III PARA TERMOS VOZ!JÁ!
Apesar de desactivado, lá está.
A vontade de renovação, essa mantém-se.
Razão de ser de estarmos aqui, consigo, e com outros amigos, claro, a romper o caminho!
OBRIGADO.
antónio colaço
Depois do manjar de fresquíssimo peixe na "Taberna dos Cabrões" o pessoal lá rumou até ao Forum Montijo para visitar a exposição A ARTE NÃO EXISTE. A ARTE SOMOS NÓS.
Foto Carlos Rito
Foto Carlos Rito
Convento de Barcelos,Agosto 1968.Tomada de hábito dos Noviços Capuchinhos.
Hoje, tenho a privilegiada visita dos meus amigos Capuchinhos.
Há 45 anos, quando Maio incendiava Paris, a Terra tremia quase desmoronando o velho Convento de Barcelos, o homem descia na Lua e os Superiores impediam-nos o desfrutar desse gigantesco passo, a Checoslováquia era invadida e Salazar caía de uma cadeira que quase ignorámos... nós, adolescentes de 16 anos, professávamos os Vostos Simples de Pobreza, Obediência e Castidade.
Houve, porém, um Voto que, sem o saber, para sempre professámos: o de uma Eterna Amizade!
Cá está, como costuma dizer o meu querido amigo Anselmo Borges, 45 anos depois, voltamos a reencontrarmo-nos: mais logo, para almoçarmos no Convento do.... Montijo!
Obrigado,fradinhos menores de uma figa!!!!
antónio colaço (se quiserem, Frei António de Gavião!!!)
Pe Anselmo Borges
In DN
A INFÂNCIA DE JESUS SEGUNDO RATZINGER/BENTO XVI
A história verdadeira e toda lê-se do fim para o princípio. Antes, apenas há sinais, pois o processo de fazer-se está ainda em aberto. Aí está a razão por que nunca podemos dizer de modo cabal o que foi a vida de um ser humano, já que não sabemos como morreu, o que foi a sua morte, o seu fim.
Um bom exemplo disto é Jesus. Muitos o seguiram, convocados pelo que dizia e fazia, pela sua mensagem em palavras e obras, pela sua pessoa. Seria ele o Messias? Depois da crucifixão, fazendo o cômputo todo da sua existência, incluindo o modo como morreu - para dar testemunho do amor e da verdade do que moveu a sua vida: Deus que é amor -, os discípulos acreditaram que ele está vivo em Deus e confessaram a sua fé viva nele como o Messias, Filho de Deus, o Salvador, aquele que revelou de modo definitivo e insuperável quem é Deus, cuja causa é a causa dos homens e das mulheres.
Foi a partir dessa fé que leram retrospectivamente a sua vida histórica, real, situada num tempo concreto, sob o domínio de Herodes e no quadro do Império Romano. Trata-se de uma história real, mas lida e interpretada com o olhar da fé. Esta leitura interpretada teologicamente é particularmente visível nos relatos da infância, que só aparecem nos Evangelhos de Mateus e Lucas, utilizando um género literário próprio, o midraxe, que não quer narrar factos, mas ler teologicamente: neste caso, projectando sobre o princípio o que já sabem no fim: em Jesus, cumpriram-se as promessas.
Infelizmente, do livro de Joseph Ratzinger/Bento XVI, Jesus de Nazaré. A infância de Jesus, publicado pouco antes do Natal, para os media pouco mais restou do que a não existência do burro e da vaca. De qualquer modo, o próprio Papa preveniu, no primeiro volume da sua obra sobre Jesus, que, não escrevendo enquanto Papa, ficava sujeito à crítica. Ora, é precisamente o que faz a maior parte dos exegetas e historiadores, considerando que não teve na devida consideração o género literário próprio dos relatos da infância.
Alguns exemplos. Ao contrário do que afirma J. Ratzinger - "Maria é um novo começo, o seu filho não provém de um homem" -, nada parece indicar que o Novo Testamento refira a virgindade. O que se pretende afirmar é que Jesus está vinculado a David pelo lado do pai, José, e é Filho de Deus, concebido por obra do Espírito Santo. Portanto, o que aqui se encontra não é uma concepção e nascimento virginais, mas a tomada de consciência do mistério do seu nascimento, de todo o nascimento. Como escreve o jesuíta Juan Masiá, "a nova vida é gerada por obra dos pais e pela graça da Palavra criadora. Por isso, é procriação: obra humana e divina. Pode dizer-se, em teologia cristã, que Maria e José geram Jesus, que é fruto da sua união como eu da dos meus pais; e, ao mesmo tempo, que essa criatura é fruto da acção criadora do Espírito. Esse nascimento transforma-se em símbolo iluminador do que acontece em todo o nascimento; não é um dar à luz excepcional sem participação de varão, mas o símbolo que recorda que todo o nascimento é, ao mesmo tempo, obra dos progenitores e graça do Espírito de vida".
Assim também, embora, muito provavelmente, Jesus tenha nascido em Nazaré, aparece como nascendo em Belém. Trata-se de mostrar, em conexão com David, que ele é o verdadeiro Messias e rei, mas no quadro de uma realeza diferente.
Não tem sentido nenhum perguntar aos astrónomos pela estrela aparecida aos magos. Estes são sábios que procuram a verdade. Jesus nasceu para todos os que procuram a verdade e, como mostra a presença dos pastores, gente pobre e marginalizada, ele está, em primeiro lugar, ao lado dos mais pobres e marginalizados. E há sempre uma estrela que guia quem busca a luz e a verdade. Se, mais tarde, a Igreja colocou a data do seu nascimento no dia 25 de Dezembro, no solstício de Inverno, isso deve-se à conexão com a festa do Sol Invicto.
Se Jesus aparece perseguido por Herodes, a caminho do Egipto, é porque participa na sorte de Moisés, também ele liberto da morte e libertando o seu povo no Êxodo. Jesus é o verdadeiro Moisés, Libertador da Humanidade.
Frei Bento Domingues
In Público 20 Jan
ANO DA FÉ. UM DECRETO, PARA QUÊ?(2)
1. Em 1953, numa curta viagem de camioneta, sentou-se ao meu lado um padre de outra congregação religiosa. Sobre as características e as imagens de marca das invocadas na conversa adiantou: "Em humildade ninguém nos supera." Não estava a fazer humor. Fiquei tão alérgico ao elogio da humildade como às disputas entre arrogantes. Nada, no entanto, mais inspirador do que uma pessoa humilde.
Esteve, em Portugal, frei Bruno Cadoré. Nasceu em 1954, formou-se em Medicina, entrou nos dominicanos, foi director do Centro de Ética Médica do Instituto Católico de Lille e, depois de ter sido provincial em França, foi eleito, em 2010, mestre geral da Ordem.
Não interessa explicitar aqui o que foi o seu brilhante e inspirador percurso profissional e dominicano, pois ele próprio nunca se lhe refere. É como se não tivesse existido.
Veio para visitar a família dominicana portuguesa, na diversidade dos seus ramos, e revelou um estilo que não é muito habitual nos eclesiásticos.
Na primeira reunião com a comunidade a que pertenço, procurou ouvir-nos acerca da situação da Igreja em Portugal, da diocese em que estamos inseridos, do papel das ordens e congregações religiosas, masculinas e femininas, segundo o carisma de cada uma. Passou, depois, ao encontro fraterno, com cada um, individualmente, não para falar, mas para escutar. Durante meia hora ouviu-me, sem dizer uma palavra, despediu-se, sem me fazer qualquer recomendação. É evidente que debateu, com os órgãos das instituições da Província Dominicana Portuguesa, as questões com que ela está confrontada. Fez também a visita às monjas dominicanas, fundadas, no século XIII, por S. Domingos. Ainda antes do ramo masculino, eram elas a Santa Pregação. Encontrou-se também com as outras religiosas e com os leigos dominicanos.
Se Cristo veio, não para condenar, mas para manifestar o amor de Deus pelo mundo, como se poderá chamar evangelização, nova ou antiga, às obras, palavras e atitudes que não sejam escuta humilde dessa amizade divina?
O método de Frei Bruno - muito ouvir antes de falar - foi praticado e exposto na Paróquia de S. Domingos de Benfica, ao apresentar a tradução da obra clássica sobre A Pregação, de Humberto de Romans, e as Actas do Colóquio sobre a Restauração da Província Dominicana em Portugal.
2. É antiga a convicção de que o silêncio é o pai dos pregadores e que a graça da pregação é secundada pelo estudo e pela contemplação. A fórmula dominicana foi cunhada muito cedo e já fazia parte do ensino de Tomás de Aquino: contemplar e dar testemunho da realidade contemplada. Era, desde a antiguidade, conhecida e exaltada a superioridade da vida contemplativa em relação à vida activa. Em benefício da sua própria causa, o santo doutor observou: a vida activa, que nasce da abundância da contemplação, vale mais do que a pura contemplação. Iluminar é melhor do que ser, apenas, luz. Foi este, aliás, o estilo da vida escolhida por Jesus.
A resposta é brilhante. Na prática, continuava a rivalidade entre o tempo consagrado ao principal e o tempo gasto com realidades temporais, inferiores. O tempo gasto na actividade esvaziava os ganhos da contemplação. A oração de S. Domingos, testemunhada pelos seus contemporâneos, estava sempre povoada pelas alegrias e tristezas do quotidiano. O trabalho apostólico não o dispersava nem o esvaziava.
Na sua conferência, frei Bruno Cadoré saltou fora do esquema de falsas oposições. A fonte e o alimento da contemplação não se restringem ao quadro conventual ou às celebrações litúrgicas. A Igreja - e nela o dominicano - não se pode apresentar ao povo cristão, aos membros das outras religiões, aos agnósticos e aos ateus como quem está na posse da verdade, dos bons princípios, dos bons caminhos e das boas soluções. Essa arrogância impede o caminho humilde da escuta, do estudo e do diálogo com todos os mundos em que se encontra, ou aos quais se dirige: a bondade e a verdade, servidas ou traídas, estão disseminadas em todos os estilos de vida e em todas as dimensões da existência. A Igreja, sem crescer e amadurecer nesse convívio, não pode partilhar nada, está fora de jogo. Esquece que Deus se insinua, de muitos modos, na vida das pessoas, expressa na diversidade de problemáticas e linguagens das sociedades, nas suas diferentes épocas e culturas. Os processos não são lineares e nunca nada está garantido. 3. Em vários países, sob o ponto de vista cristão, o século XX foi prodigiosamente fecundo, apesar de duas guerras mundiais. Basta pensar nos movimentos bíblico, litúrgico, missionário, ecuménico, social, na redescoberta da teologia patrística e medieval, nos novos modelos e paradigmas de teologia - das realidades terrestres, do trabalho, da matéria, da evolução, da conjugalidade -, assim como nas formas de evangelização da pura presença, nos meios mais afastados das instituições da Igreja. Foi uma história exaltante de muitas esperanças e desilusões continuadas, pela repressão que se abateu sobre vários destes movimentos.
O Vaticano II, iniciativa de um papa que tinha os olhos postos no mundo em transformação e no aggiornamento da Igreja, recuperou e alargou a geografia da esperança.
Como e porquê se perdeu este impulso?
Pe Anselmo Borges
In DN 19 Jan
A REGRA DE OURO E A EMPATIA
Na Inglaterra, foi de tal modo valorizada que aí recebeu, nos inícios do século XVII, o nome por que é conhecida: "regra de ouro" (golden rule), com duas formulações, uma negativa: "não faças aos outros o que não quererias que te fizessem a ti", e outra positiva: "trata os outros como quererias ser tratado". Frédéric Lenoir faz, com razão, notar que a maior parte dos moralistas prefere a versão negativa, pois o perigo de auto-projecção sobre os outros pode levar a esquecer que cada um tem os seus gostos e a sua própria visão do que é bem. Neste quadro, Bernard Shaw escreveu com o seu sentido de humor: "Não façais aos outros o que quereríeis que vos fizessem; talvez não tenham os mesmos gostos que vós!"
É uma regra tão universal que o filósofo R.-P. Droit perguntava recentemente no Le Monde: "Existem regras morais presentes em todos os tempos e lugares, seja qual for a cultura ou a época? Isso é posto em dúvida a maior parte das vezes. No entanto, há uma excepção notável face ao relativismo generalizado." E apontava precisamente a regra de ouro.
De facto, ela encontra-se em todas as áreas culturais e religiosas do mundo. Apresentam-se exemplos, segundo Olivier du Roy, que acaba de publicar: La règle d'or. Histoire d'une maxime universelle.
Na China, com Confúcio, talvez o primeiro a formulá-la: "O que não queres que te façam não o faças aos outros." No budismo: "Uma situação que não é para mim agradável nem felicitante também o não poderia ser para o outro; como poderia então desejar-lhe isso?" No zoroastrismo: "Tudo o que te repugna não o faças também aos outros." No judaísmo: "Não faças a outrem o que não desejas que te façam a ti." No cristianismo: "Tudo o que quereis que os homens façam por vós, fazei-o igualmente por eles: eis a Lei e os profetas." No islão: "Ninguém entre vós é um crente enquanto não desejar para o seu irmão o que deseja para si próprio."
No estóico Séneca, encontramos esta reflexão admirável sobre como tratar os escravos: "Vive com o teu inferior como quererias que o teu superior vivesse contigo. Cada vez que pensares na extensão dos teus direitos sobre o teu escravo pensa que o teu senhor tem sobre ti direitos idênticos. 'Mas eu não tenho senhor', dizes. Talvez venhas a ter."
Todos os grandes reformadores cristãos a retomam. Pode ler-se num sermão de Martinho Lutero: "Não há ninguém que não sinta e não tenha de reconhecer que é justo e verdadeiro o que diz a lei natural: o que queres que te seja feito e poupado, fá-lo e poupa-o aos outros: esta luz vive e reluz no espírito de todos os seres humanos. E se quiserem tomá-lo em consideração, terão ainda necessidade de outro livro, de outro mestre, de outra lei? Têm um livro vivo neles, no fundo do coração, que pode bastar para ditar-lhes o que devem fazer, não fazer, aceitar ou rejeitar."
Com ela, argumentou John F. Kennedy contra a segregação racial, em 1963: "Se um americano, porque o seu rosto é negro, não pode almoçar num restaurante aberto ao público, mandar os seus filhos à melhor escola pública acessível, votar para os funcionários públicos que vão representá-lo, então quem de vós quereria ver mudar a cor do rosto e colocar-se no seu lugar? O coração do problema é este: vamos tratar os nossos companheiros americanos como queremos ser tratados?"
Atendendo à sua universalidade, Olivier du Roy conclui que ela "corresponde a uma espécie de maturidade moral da humanidade, que descobre ou exprime, por volta do século V a. C., um princípio fundamental de moralidade ou de vida em sociedade". O reconhecimento do outro humano pode ser considerado como "um dado cultural universal, o fundamento de uma verdadeira 'lei natural'". A sua base está na empatia, na capacidade de eu me colocar no lugar do outro, como que sentindo as consequências da minha acção sobre ele. Mas a ética propriamente
dita começa, quando se vai para lá da simpatia e se alarga o círculo do humano ao que me não é próximo nem simpático.
Imagine-se o que seria o mundo regido por esta regra de ouro!
(Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico)
Montijo.Frente Ribeirinha.Esta tarde.
Apetece-me voltar a esta imagem.
Como que a pedir que me leves contigo, nas tuas asa,s a caminho da Luz, derradeira viagem.
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