Pe. Anselmo Borges
In DN 27Abril
MERCADODICEIA, ÉTICA E UTOPIA
Primeiro, foi a Providência divina. Deus, na sua omnipotência e infinita bondade, acompanha a humanidade no combate contra o mal - Deus é o anti-Mal -, de tal modo que tem fundamento a esperança do triunfo final do bem. Depois, pela secularização da Providência, a própria história aparece como justificando-se a si própria, no quadro de uma historiodiceia: "A história do mundo é o julgamento do mundo." Finalmente, os mercados são a nova presença do divino, de tal modo que através do seu jogo, mediante uma "mão invisível", tudo se conjuga para que, embora cada um lute pelos seus próprios interesses, dessa luta resulta o maior bem para todos. Sequência: teodiceia (justificação de Deus frente ao mal), historiodiceia (justificação da história), mercadodiceia (justificação dos mercados) - Adriano Moreira utiliza a expressão: "Teologia do Mercado".
No quadro do neoliberalismo, o economista Riccardo Petrella resumiu as novas Tábuas da Lei (sigo a síntese do teólogo Juan J. Tamayo): não podes resistir à globalização dos mercados e das finanças - deves adaptar-te a isso. Deverás liberalizar completamente os mercados, renunciando à protecção das economias nacionais. Todo o poder pertence aos mercados: as autoridades políticas transformar-se-ão em meras executoras das suas ordens. Tenderás a eliminar qualquer forma de propriedade pública, ficando o governo da sociedade nas mãos de empresas privadas. Tens de ser o mais forte, se quiseres sobreviver no meio da competitividade actual. Renunciarás à defesa da justiça social, superstição estéril, e à prática do altruísmo, igualmente estéril. Defenderás a liberdade individual como valor absoluto, sem qualquer referência ou dimensão social. Defenderás o primado da economia e da finança sobre a ética e a política. Praticarás a religião do mercado com todos os seus rituais, sacramentos, pessoas, livros e tempos sagrados. Não terás em conta as necessidades dos pobres e excluídos, gente a mais, pois não gera riqueza. Porás a Terra ao serviço do capital, que é quem maior rendimento pode tirar dela, sem atender a considerações ecológicas, que só atrasam o progresso.
Perante esta situação que leva à catástrofe, impõe-se uma alternativa, que Tamayo sintetiza nalguns mandamentos, "orientados para a construção da utopia de uma sociedade alternativa".
Ética da libertação, com o imperativo moral: "Liberta o pobre, o oprimido." Ética da justiça: "Age com justiça nas relações com os teus semelhantes e trabalha na construção de uma ordem internacional justa." Num mundo onde impera o cálculo, o interesse próprio, ética da gratuitidade: "Sê generoso. Tudo o que tens recebeste-o de graça. Não faças negócio com o gratuito." Ética da compaixão: "Sê compassivo. Colabora no alívio do sofrimento." Ética da alteridade e da hospitalidade: "Reconhece, respeita e acolhe o outro como outro, como diferente. A diferença enriquece-te." Ética da solidariedade: "Sê cidadão do mundo. Trabalha por um mundo onde caibam todos." Num mundo patriarcal, de discriminação de género, ética comunitária fraterno-sororal: "Colabora na construção de uma comunidade de homens e mulheres iguais, não clónicos." Ética da paz, inseparável da justiça: "Se queres a paz, trabalha pela paz e pela justiça através da não-violência activa." Ética da vida: "Defende a vida de todos os viventes. Vive e ajuda a viver." Ética da incompatibilidade entre Deus e o dinheiro, adorado como ídolo: "Partilha os bens. A tua acumulação desregrada gera o empobrecimento dos que vivem à tua volta." Num mundo onde impera a lei do mais forte, ética da debilidade: "Trabalha pela integração dos excluídos, são teus irmãos." Ética do cuidado da natureza: "A natureza é o teu lar, não a maltrates, não a destruas, trata-a com respeito."
Utopia? Não é a função da utopia criticar o presente e transformá-lo? Para evitar a tragédia daquela estória: "Era uma vez duas serpentes que não gostavam uma da outra. Um dia encontraram-se num caminho muito estreito e como não gostavam uma da outra devoraram-se mutuamente. Quando cada uma devorou a outra não ficou nada." (Ana Hatherly).
Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico.
Alcochete, esta tarde.(Tratamento gráfico posterior!)
Lisboa vestida de Abril, OUTRA VEZ.
Como se nunca o vermelho dos cravos tivesse murchado.
Como se nunca a Justiça, a Liberdade, a Igualdade, a Solidariedade, dos nossos dias tivessem marchado.
REABRIR ABRIL.
QUE AS ÁGUAS DO TEJO QUE SALGUEIRO MAIA e todos os generosos militares de Abril um dia resgataram voltem a ser o SANGUE que as nossas definhadas veias mal contêm.
Abril. Seja bem-vindo quem vier por bem!
antónio colaço
afortunadamente soldado cadete na EPAM/Lumiar na radiosa madrugada que libertou "a televisão" de então!
Foto.Google.Um sem número de pasteis que só funcionam, perdão, só são doces SE levarem açúcar!!!!
AO LONGE, do outro lado do rio, consigo ver mais um avião que aterra na Grande Cidade. A invejada Lisboa é já ali e no entanto, nenhum dos seus passos nos pode encaminhar para a brisa nocturna do campestre restolho que ladeia este trilho.
Continuo do lado dos grilos. Não há betão que os detenha. É por eles que viajo à minha longínqua infância beiroa/altoalentejana em que sacá-los das suas minúsculas tocas era afirmação de masculinidades ainda toscas.
Gri, gri, gri....
PS Aconselhamos auscultadores para obviar a algum do incómodo vento. Gri, gri!
Estou, finalmente, lançado nos quatro mil metros nocturnos da montijense marcha.
É incrível o número de montijenses, naturais e ou residentes, jovens ou de idade mais avançada, que se aventuram ao longo do dia pela "ciclovia".
Só é... preciso ganhar o gosto.
Resta a frente mais difícil e que encontra na deseducada boca os mais inimagináveis obstáculos.
Acho que a meta a alcançar era mesmo poder ser cortada com "algo"muito abaixo dos envergonhados 97.50 quilitos...
antóio colaço
Foi aqui, no mais alto da Arrábida, que num Abril a dar os primeiros passos ( 3 de Abril) me chegou a notícia da morte de Pablo Picasso.
O azul que sempre me fascinou em Picasso, ali estava a meus pés.
Tentei imortalizar num óleo, depois, esse adeus a alguém que sonhara conhecer.
Entre essa ligação mítica e o fazer-me ao meu próprio caminho passaram 40 anos.
Obrigado, Pablo
antónio colaço
Aquele segundo golo de ontem exige que perca todos os meus confessados pudores e assuma o benfiquismo dos meus onze anos!!!
Sim, sonhei ir longe no futebol.
Tshirt arranjou-se, já nem eu bem sei como.
As chuteiras, essas, esperariam algum tempo até que o meu saudoso Pai Zé Jacinto transformasse uns velhos sapatos colocando-lhes algumas travessas de sola que fariam inveja aos modernos pitões de hoje.
Tempo para dizer que ainda não visitei a Catedral mas que foi no velhinho Estádio da Luz que me estreei como vendedor de bebibas para poder ver o Benfica-Ajax no início dos anos 70!Tudo pela mão do meu querido amigo Gomes, contínuo na CMLisboa e que lá tinha adjudicado um lugar de venda.O problema foi deixarem-me vestir o fato azul dos vendedores dado que as minhas imberbes barbichas contrariavam os higiénicos regulamentos de então. Ou ameaçaria parecer-me com algum, ainda, então, inexistente, "taliban"?!
O poder encantatório de um golo!!!
É por isso que, mesmo de sandálias, aqui homenageio todos os "pescadores" desses pequenos momentos de glória!
antónio colaço
Frei Bento Domingues
DOIS OUVIDOS E UMA BOCA
1. Há mudança de clima no interior da Igreja Católica e na sua relação com a grande diversidade de mundos em que vive. Pelo menos, assim parece. Foram celebrados os 50 anos do Vaticano II, está a ser revisitada a encíclica Pacem in Terris e não vai ser ocultado o sentido da consternação mundial pela morte do Papa João XXIII (3/6/1963). A este respeito, conta a grande filósofa de origem judaica Hannah Arendt que a sua criada, estando ele já no leito de morte, lhe diz: "Minha senhora, este Papa era um verdadeiro cristão, mas como pôde um verdadeiro cristão sentar-se no trono de S. Pedro? Ninguém se terá apercebido de quem ele era?"
Para os lefebvristas, estas datas serão sempre para esquecer ou combater. Para os que se identificam com elas, já não têm de as celebrar com nostalgia. Sentem que o longo Inverno está a passar e que é possível retomar o caminho. Os mais cautelosos avisam que uma andorinha não faz a Primavera e os mais novos não sabem do que os mais velhos andam a falar. Talvez acabem por descobrir.
Para já e para novos e velhos, aconteça o que acontecer no futuro, o Papa Francisco começou bem. Os gestos, as atitudes e as palavras do Papa já indicaram que é possível virar uma página triste na história eclesiástica, precisamente a página de interregno entre o concílio e as urgências da hora actual. Ao trazer as margens para o centro da Igreja, ele situou-se no coração do mundo contemporâneo. A conversa da Igreja corre sempre muito mal quando é a de eclesiásticos entretidos com eclesiásticos, sejam seminaristas, estudantes de Teologia, párocos, cónegos, monsenhores e bispos preocupados com as suas carreiras e avaliando a cotação das suas clientelas. Essas sacristias nunca poderão entender o horizonte do mundo como espaço da Igreja.
Não se pode esquecer que na celebração do baptismo existe o ritual da sagrada unção dos ouvidos e da boca. Lembra à nova criatura e a quantos a acompanham que temos dois ouvidos para escutar as vozes e as mensagens de Deus que nos chegam de dentro e de fora, de todos os mundos, por mais estranhos que se apresentem. Só temos, porém, uma boca. Significa que só vale a pena falar de doutrinas e normas depois de muito escutar e observar, com bondade. O povo de Deus é constituído por aqueles que só Deus conhece e pelas mulheres e homens que, celebrando o baptismo, escutam o que Ele diz à Igreja através de todos os seres humanos, crentes, agnósticos ou ateus.
2. Não vai longe o tempo em que se começou a descobrir a importância da inculturação da fé cristã no seu duplo movimento: o que ela recebe das diferentes culturas e a graça do Evangelho que oferece para as fecundar. É um diálogo existencial, por obras, atitudes e palavras. O Papa Francisco, pela sua prática mais recente, parece querer retomar esse antigo percurso, muitas vezes esquecido.
Encontramos, com efeito, na Eucaristia deste IV Domingo da Páscoa, Paulo e Barnabé, duas grandes figuras dos Actos dos Apóstolos, a começarem a apresentação do testemunho Jesus Cristo nos dias e lugares que, enquanto judeus, lhes eram mais familiares: nas sinagogas aos sábados. Sob o ponto de vista físico, religioso e cultural, estavam em casa. Passava-se tudo em família e com êxito. Parecia que estavam todos no mesmo comprimento de onda (Act.13, 13-43). Na semana seguinte, verificaram com amargura que tinha acabado o encanto, a Primavera da receptividade à nova mensagem.
Paulo e Barnabé não se deram por vencidos. Onde outros poderiam ver uma derrota, eles descobriram uma nova oportunidade, que sublinharam, aliás, com ironia: "Era primeiro a vós que devíamos anunciar a palavra de Deus. Como a rejeitais e não vos julgais dignos da vida eterna, nós nos voltamos para os gentios".
Sob o ponto de vista bíblico, não era uma traição. Frei Francolino Gonçalves (1), professor da Escola Bíblica de Jerusalém e membro da Comissão Pontifícia Bíblica, nos seus estudos sobre o Antigo Testamento (AT), chegou à conclusão de que, no seu conjunto, é o resultado da fusão de duas religiões de Iavé muito diferentes. Começaram até por ser concorrentes e acabaram por se fundir, dando lugar a uma síntese. De facto, a religião que estamos mais habituados a ler no AT funda-se na história das relações entre Iavé e Israel, mas essa é a mais recente. A mais antiga funda-se na obra criadora de Iavé e, por isso, tem o universo como horizonte e nada tem de nacionalista. É radicalmente universalista, dirige-se a todo e qualquer ser humano que a descobre e manifesta na observação do cosmo, da natureza e da cultura. Pode ser um bom caminho para um diálogo inter-religioso.
3. Já passou um mês sobre a data da eleição de J. M. Bergoglio. Não passou o tempo dos sorrisos, mas são precisas decisões, reformas, especialmente da cúria. Já escolheu oito cardeais para as estudar. Nos dias 1, 2 e 3 de Outubro, terão a primeira reunião. A sua diversidade continental mostra que o centro da Igreja já não é a Europa, nem mesmo o Ocidente. Espera-se que, até Outubro, estejam de ouvidos bem abertos para escutar as vozes que têm sido e continuam a ser caladas.
1) Iavé, Deus de Justiça e de Bênção, Deus de Amor e de Salvação, ISTA, nº 22 - 2009, pp. 107-152
AS LEIS FUNDAMENTAIS DA ESTUPIDEZ HUMANA
Pe Anselmo Borges
In DN
Este - "as leis fundamentais da estupidez humana" - é o título de um livrinho famoso, publicado há muitos anos, mas sempre actual. Apareceu em inglês, depois em italiano. Acabo de lê-lo em francês. O seu autor, Carlo M. Cipolla (1922-2000), historiador da economia, foi professor na Universidade de Berkeley e na Escola Normal Superior de Pisa.
Para estabelecer as leis fundamentais da estupidez, é preciso, primeiro, definir quem é o estúpido. Para isso, ajudará a comparação com outros tipos de gente. Diz o autor que, quando temos um indivíduo que faz algo que nos causa uma perda, mas lhe traz um ganho a ele, estamos a lidar com um bandido. Se alguém realiza uma acção que lhe causa uma perda a ele e um ganho a nós, temos um imbecil. Quando alguém age de tal maneira que todos os interessados são beneficiados, estamos em presença de uma pessoa inteligente. Ora, o nosso quotidiano está cheio de incidentes que nos fazem "perder dinheiro, e/ou tempo, e/ou energia, e/ou o nosso apetite, a nossa alegria e a nossa saúde", por causa de uma criatura ridícula que "nada tem a ganhar e que realmente nada ganha em causar-nos embaraços, dificuldades e mal". Ninguém percebe por que razão alguém procede assim. "Na verdade, não há explicação ou, melhor, há só uma explicação: o indivíduo em questão é estúpido."
Lá está a primeira lei: "Cada um subestima sempre inevitavelmente o número de indivíduos estúpidos que existem no mundo." Já a Bíblia constata: "Stultorum infinitus est numerus" (o seu número é infinito) - evidentemente, sendo o número das pessoas finito, trata-se de um exagero.
Os estúpidos estão em todos os grupos, pois "a probabilidade de tal indivíduo ser estúpido é independente de todas as outras características desse indivíduo": segunda lei.
A terceira lei corresponde à própria definição do estúpido: "É estúpido aquele que desencadeia uma perda para outro indivíduo ou para um grupo de outros indivíduos, embora não tire ele mesmo nenhum benefício e eventualmente até inflija perdas a si próprio." A maioria dos estúpidos persevera na sua vontade de causar males e perdas aos outros, sem tirar daí nenhum proveito. Mas há aqueles que não só não tiram ganho como, desse modo, se prejudicam a si próprios: são atingidos pela "super-estupidez".
É desastroso associar-se aos estúpidos. A quarta lei diz: "Os não estúpidos subestimam sempre o poder destruidor dos estúpidos. Em concreto, os não estúpidos esquecem incessantemente que em todos os tempos, em todos os lugares e em todas as circunstâncias tratar com e/ou associar-se com gente estúpida se revela inevitavelmente um erro custoso." A situação é perigosa e temível, porque quem é racional e razoável tem dificuldade em imaginar e compreender comportamentos irracionais como os do estúpido. Schiller escreveu: "Contra a estupidez mesmo os deuses lutam em vão."
Como consequência, temos a quinta lei: "O indivíduo estúpido é o tipo de indivíduo mais perigoso." O corolário desta lei é: "O indivíduo estúpido é mais perigoso do que o bandido." De facto, se a sociedade fosse constituída por bandidos, apenas estagnaria: a economia limitar-se--ia a enormes transferências de riquezas e de bem-estar a favor dos que assim agem, mas de tal modo que, se todos os membros da sociedade agissem dessa maneira, a sociedade no seu conjunto e os indivíduos encontrar-se-iam numa "situação perfeitamente estável, excluindo toda a mudança". Porém, quando entram em jogo os estúpidos, tudo muda: uma vez que causam perdas aos outros, sem ganhos pessoais, "a sociedade no seu conjunto empobrece".
A capacidade devastadora do estúpido está ligada, evidentemente, à posição de poder que ocupa. "Entre os burocratas, os generais, os políticos e os chefes de Estado, é fácil encontrar exemplos impressionantes de indivíduos fundamentalmente estúpidos, cuja capacidade de prejudicar é ou se tornou muito mais temível devido à posição de poder que ocupam ou ocupavam. E também se não deve esquecer os altos dignitários da Igreja."
É assim o mundo.
Hoje, descemos pela primeira vez com o Francisco, ao Jardim Municipal do Montijo.
Matriz do Montijo.Esta tarde.
Pela primeira vez de volta do órgão da Matriz.Um órgão cheio de potencialidades, muitas mais, claro, do que o organista.
Deverei voltar.
Obrigado, sr.Araújo, pela disponibilidade.
antónio colaço
NOTA PRÉVIA
Ontem, tive o privilégio de assistir a um debate promovido pelo Clube Autárquico do Montijo
sobre as dúvidas da Dívida Pública.
O Clube convidou José Castro Caldas, da IAC (Iniciativa para a Auditoria Cidadã), mas seria a intervenção do Dr. Alcídio Torres, quanto a mim, que me deixaria arrepiado, como lhe disse, perante o claríssimo exercício que nos apresentou do deve/haver desta mal fadada Dívida Pública que nos consome os dias, diria, antes, a esperança num futuro melhor, e que, de uma vez por todas, me fez, também, sair do bem bom da pantufinha onde repousa, adormecida, a minha acomodada cidadania.
O próprio Castro Caldas referiu o facto de se contar entre aqueles que, depois do 25 de Abril, repousaram no aconchego das suas casas, acreditando que outros tomassem conta dos dias sem cuidar dos estragos a que se deram.
Com a devida vénia e com autorização do próprio aqui vão, sem mais demoras, as palavras/munições de que precisamos à espera de um novo dois de Março que nos faça descer às ruas das cidades.
Não há outro caminho.
Até o próprio silêncio, que mora em cada um de nós, de tanto silêncio está fartinho!
Obrigado, Alcídio!
antónio colaço
Alcídio Torres, à direita. Vitor Louro, à esquerda.
Antes de mais gostaria de agradecer ao prof José Castro Caldas e à IAC (Iniciativa para a Auditoria Cidadã) a disponibilidade para participarem nesta sessão dos Cafés com Debate, intitulado “da Vilania à Cidadania”.
Gostaria ainda de saudar as presenças da Sr Presidente da Câmara, do Director da Escola Profissional do Montijo, a presença sempre muito grata e sentida dos alunos das escolas secundárias Jorge Peixinho, Joaquim Serra e Escola Profissional, bem como dos professores que, com todo o interesse, os acompanham.
Em boa hora, o Clube Autárquico decidiu debater hoje o problema da dívida pública e por falar em dívida pública, convém recordar que Portugal conta, actualmente, com a maior dívida pública dos últimos 160 anos.
Perante esta realidade, os governos e os governantes treinados na manipulação da opinião pública costumam fazer a seguinte análise: O Estado gasta demasiado e por gastar demasiado subcarrega as empresas com impostos para pagar as suas dívidas. E por ter de pagar as suas dívidas a economia não cresce e não se cria emprego, e, portanto, não se cria riqueza.
Esta análise parcial e destorcida da realidade, constitui o pretexto para as políticas austeritárias, que têm levado a cortes substanciais nas principais funções sociais do Estado.
No entanto, o argumento do corte na despesa pública como pretexto para a criação de empego e de riqueza tem sido completamente desmentido pelo empobrecimento da sociedade portuguesa, pela diminuição da riqueza produzida e pelo aumento do desemprego.
Esta pertença ligação dialectica entre o corte na despesa e o crescimento económico é mesmo desmentida por estatísticas da União Europeia.
Num estudo feito a 14 países europeus (de 2001 a 2010) só 4 deles (Portugal, Alemanha, Espanha e Irlanda) tinham uma despesa pública abaixo dos 50% do PIB. Todos os outros tinham gastos públicos superiores a Portugal e alguns tinham mesmo um gasto público acima dos 55% do PIB. O nosso estava, na altura, nos 49%.
Segundo este Estudo, não havia qualquer relação directa entre o peso da divida pública e o crescimento económico. Todos os países, à excepção da Itália, tinha tido um crescimento económico muito maior que o português, não obstante terem gastos públicos muito superiores.
Mas se alguém tivesse dúvidas sobre a origem das dívidas públicas ficaria esclarecido com a esta afirmação surpreendente e insuspeita:
O aumento da dívida pública foi originada, não por despesas de carácter social mas por Políticas absurdas, suicidárias e estúpidas da UE e do BCE.
Esta afirmação não foi produzida por um perigoso esquerdista de um qualquer partido da oposição, mas sim por um ex-comissário europeu.
Uma primeira pergunta gostaria, desde já, de fazer ao prof. Castro Caldas.
Quem enriquece, afinal, com estas políticas suicidárias, absurdas e estúpidas que acabam por armadilhar a dívida pública?
O que se sabe, ainda que de forma superficial, é que o enriquecimento ilícito dos bancos privados decorre de enormes lucros obtidos devido à diferença entre, por um lado, as taxas de juro de mais de 4% que cobram aos Estados afectados e, por outro lado, a taxa de 1% que estes mesmos bancos obtém de empréstimo junto do BCE até Abril de 2011, antes de ser elevada a 1,25 e depois a 1,50%.
Desta constatação, decorre uma outra pergunta: Pode-se igualmente falar de enriquecimento ilícito (enriquecimento abusivo e ilegal) a propósito de Estados como a Alemanha, a França e a Áustria que tomaram emprestado a 2% nos mercados e emprestaram à Grécia a 5% ou 5,5% e à Irlanda a 6%?.
Sendo a dívida pública, nos tempos que correm, um poço sem fundo, pergunta-se: Para onde vão todos esses fundos financeiros?... Para que servem?... Em que vão ser aplicados (ou "investidos")?
Será verdade, que todo esse dinheiro, que nos vai sendo emprestado e que nós vamos pagando" não vai ter uma qualquer outra aplicação que não seja voltar a ser emprestado. Acumulando juros e "capital emprestado?".
Se assim é, pergunta-se: À luz dos tratados internacionais, esta dívida que estamos a pagar e os encargos dela decorrentes, com custos dramáticos para a vida de milhões de portugueses, é legítima?
Gostaria que o Prof Castro Caldas analisasse a legitimidade desta dívida pública à luz, por exemplo, do artigo 1 dos estatutos do FMI.
Que diz esse artigo? Diz que o FMI, entre outros objectivos, deve "facilitar a expansão e o crescimento harmonioso do comércio internacional e contribuir assim para a instauração e a manutenção de níveis elevados de emprego e de rendimento real e para o desenvolvimento dos recursos produtivos de todos os Estados membros, objectos primários da política económica.
Perante esta realidade, pergunto ao nosso convidado: A Troika, com o FMI à cabeça, não está a contrariar este principio ao provocar uma sangria financeira, económica e social na sociedade portuguesa, potenciando níveis de desemprego insustentáveis e contrários dos princípios estipulados pelo FMI?
Por outro lado, sabemos que grande parte da dívida pública portuguesa foi para financiar o sistema bancário.
Aqui coloca-se um outro problema de legitimidade, que obriga a formular uma outra pergunta: Este dinheiro canalizado pelo Estado para a Banca serviu verdadeiramente para financiar o sistema produtivo português e criar postos de trabalho?
A estatísticas falam por si: Segundo o Banco de Portugal, o crédito bancário em Portugal tem sido orientado fundamentalmente para a especulação imobiliária e para a habitação e muito pouco para a atividade produtiva. Ainda em Out/2012 (há apenas 6 meses), 31,4% do crédito da banca às empresas estava concentrado no setor da construção e imobiliário, e apenas 13,7% nas empresas transformadoras e extrativas. Se somarmos o credito concedido às empresas e aos particulares, constatamos que 57,8% do crédito era concedido a empresas da construção e imobiliárias, e à habitação.
Outra mentira e manipulação da opinião pública prende-se com o argumento de que o memorando assinado com a troika e o próprio resgate a Portugal foi inevitável porque nós estávamos à beira da Banca Rota e sem dinheiro para pagar salários.
Vejam bem como é que o próprio Ministério das Finanças, de Vitor Gaspar, desmente, por completo, este argumento:
Segundo o Ministério das Finanças, aquilo que o Estado arrecadou com receitas dos impostos e das contribuições dos portugueses em 2011 foi superior em 4.454 mil milhões de euros à soma das despesas com Pessoal das Administrações Públicas mais despesas com pensões e outras prestações (inclui saúde); em 2012 esse excedente subiu para +4.454,1 milhões €. Em 2013 prevê-se que esse excedente ultrapasse os seis mil milhões de euros.
Ou seja, em Portugal, o que os portugueses pagam em impostos e contribuições dá e ainda sobra para pagar os salários das Administrações públicas e as prestações sociais, incluindo a saúde.
Então, pergunta-se, para onde vai o dinheiro que os portugueses pagam em impostos e contribuições, se continuam a pedir dinheiro e dizem-nos que o mesmo é para pagar salários, pensões e prestações sociais?
Se escavarmos um pouco ou, utilizando outra expressão, esmiuçarmos um pouco mais da realidade dos factos, acabamos por descobrir o rasto do dinheiro.
Segundo o ex-presidente do INA, Luis Tavares, numa entrevista ao Sol em 21 dezembro de 2012, o Estado gastou em 2012 com aquisições (por ajusto direto) 22 mil milhões de euros, mais do que pagou em salários da administração pública, que rondou os 15 mil milhões.
Ao BBN já pagámos ou vamos pagar um valor estimado em 5,5 mil milhões de euros.
Ao BCP pagámos 450 milhões de euros.
Ao BANIF pagámos 1100 milhões.
Conclusão: Sem contar com os 20 mil milhões gastos pelo Estado em pagamentos de serviços a sociedade de advogados, na aquisição de bens e serviços, só contando com o dinheiro que foi gasto para apoiar a Banca, para isenções fiscais, em operações especulativas e em poupança de juros usurários da dívida pública, Portugal contaria, agora, nos seus cofres com uma verba próxima dos 30 mil milhões de euros.
Para terminar, deixaria ao nosso convidado 3 pequenas perguntas finais:
1- em nome de que interesses é que os portugueses estão a fazer os sacrifícios que estão?
2 - Sem esquecer que a dívida externa privada é maior que a dívida pública, qual a verdadeira importância de auditar a dívida pública portuguesa.
3 - Em que fase está o processo de auditoria da dívida pública portuguesa e qual o objectivo final?
Muito obrigado
Alcídio Torres
Mestre em Administração e Políticas Públicas
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