A verdadeira vida e a morte dependem dos afectos. Fora deles, há apenas estatística.
É breve e para poucos a sobrevivência na memória afectuosa dos familiares e amigos. Chegamos tarde em relação ao passado e demasiado cedo em relação às maravilhosas promessas da ciência e da técnica.
Por outro lado, a louca persistência das guerras e os absurdos que as provocam, impondo a lei de matar, ser morto ou fugir, geram cepticismo acerca da possibilidade global de humanização da história [1].
A verdadeira vida e a morte dependem dos afectos. Fora deles, há apenas estatística.
Os mais idosos vão sofrendo a desertificação das relações de familiares e amigos. Mário Brochado Coelho, a propósito da morte de Nuno Teotónio Pereira e do desaparecimento de outros companheiros, manifestou aos amigos, de modo comovente, que embora tudo seja natural, ficamos com o sentimento de uma grande orfandade.
Há outras pessoas que alimentam o desejo de um Deus de memória afectuosa, transfiguradora e universal, para si e para os outros, um coração que as acolha.
Cada uma dessas fases e faces deixou imagens diferentes naqueles que com ele conviveram. No entanto, o próprio se explicou longamente sobre os tempos e acontecimentos que viveu. Quem voltar a ler as suas crónicas no Público[2], a última entrevista a José Pedro Castanheira, publicada no Expresso [3] e o testemunho ditado para o Encontro do ISTA e do NAM [4], pode formar uma opinião mais abrangente, não apenas acerca dele, como da sua primeira mulher, a extraordinária Maria Natália Duarte Silva.
É conhecido que ambos, nos anos 60, me associaram à criação do Direito à Informação, à Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos, à Iniciativa dos Terceiros Sábados e ao trabalho de encontrar esconderijos para clandestinos.
O Nuno ajudou-me também a encontrar, em Portugal, a pista das pessoas precursoras do Vaticano II, algumas das quais marcaram a sua mudança de rumo e as expressões militantes do seu profundo catolicismo.
Tentei, quando ainda não havia quase nada estudado a esse respeito, apresentar um esboço nas Artes de ser católico português [5]. Desde a Voz de Santo António (1895-1910) até D. António Ferreira Gomes, passando pelos irmãos Alves Correia (Manuel e Joaquim), pelo Movimento e edições Metanoia, dos anos 40-50, pelo Padre Abel Varzim e pela aceleração dos anos 50, em vários ramos da Acção Católica, podem-se encontrar tentativas, obras e correntes que foram reconhecidas no Vaticano II e abafadas pela hierarquia portuguesa, com raras excepções.
“ (…) Pode ser que seja necessário passarem uma ou duas gerações para que isto aconteça: são acontecimentos para o próximo século. Mas talvez suceda que a mensagem evangélica, por um lado, e a crença numa sociedade mais justa e solidária, por outro, sejam dois fachos que não se apaguem na marcha da Humanidade e que poderão até ser convergentes, com surpresa para muitos. (…) É preciso que qualquer coisa renasça ou nasça de novo para nos devolver a esperança”.
O texto do Papa Francisco, sobre a “Igreja de saída”, que transcrevi no passado domingo e apresentei no funeral de Nuno Teotónio Pereira, parece-me o começo de realização desta esperança.
Pe. Anselmo Borges
In DN 29 Janeiro
O GRANDE ENIGMA (1)
É possível que Deus exista, mas também pode não existir. Ninguém pode dizer que sabe que Deus existe, mas também ninguém pode dizer que sabe que Deus não existe. Ninguém sabe se na morte encontramos a vida na sua plenitude em Deus ou se, pelo contrário, para cada pessoa tudo acaba na morte. Este é o grande enigma da vida de cada homem, de cada mulher. É o enigma da verdade metafísica última do universo: Deus como fundamento último ou um puro mundo sem Deus? Questão decisiva, no sentido pleno da palavra: que decide, em última análise, a existência de cada um. Questão essencial, porque, com Deus, dá-se a esperança da vida plena para lá da morte; num puro mundo sem Deus, a existência desemboca na aniquilação total enquanto pessoa. O ser humano é sempre confrontado com a eternidade: a eternidade da plenitude em Deus ou a eternidade do nada.
É com esta incerteza metafísica, num mundo enigmático, que se confronta, numa obra notável, acabada de publicar - El Gran Enigma: Ateos y Creyentes ante la Incertidumbre del más Allá ("O grande enigma. Ateus e crentes perante a incerteza do Além) -, o jesuíta Javier Monserrat, neurocientista, filósofo e teólogo.
1. Que todo o ser humano deseja e quer é viver. Pela sua própria constituição, é desejo de vida, vida plena, de tal modo que põe a questão da esperança para lá da morte. Vive, tentando realizar no mundo as suas possibilidades. E depara-se com o enigma do universo, ao aperceber-se de que, para lá da "aparência", do que se mostra do mundo onde decorre a sua vida, há um fundo abismal, metafísico, que o leva a perguntar pela sua verdade última. Mas precisamente essa verdade última do universo não é evidente, patente, nem para os sentidos nem para a razão, o que constitui fonte de incerteza e, consequentemente, de insegurança e inquietação metafísica. O universo apresenta-se como tendo um fundo metafísico, que está para lá da experiência física imediata tal como o homem a pode atingir. Mas precisamente esse fundo metafísico constitui o grande enigma: o que é verdadeiramente? "O que é o fundo das coisas? O que é que a imensidão do espaço-tempo contém? Qual é a natureza de uma matéria insondável na sua profundidade abissal?"
2. Na história da humanidade, encontramos desde sempre a ideia religiosa: o universo, desde as suas dimensões metafísicas desconhecidas, está dominado por um Ser pessoal, ou Seres pessoais, a que se podia recorrer e que poderia salvar para lá da morte. A construção e vivência das ideias religiosas, com Deus e a referência a um para lá da morte, acompanham a humanidade desde a pré-história. Com as grandes religiões, "consumou-se pouco a pouco, e de diversos modos, a introdução do metafísico na vida humana." A referência explícita ao metafísico entrou na história através das construções religiosas. E embora nunca ninguém tenha visto Deus, "o conteúdo das crenças religiosas e a sua ideia do divino chegaram a aceitar-se como algo quase evidente, que ninguém podia pôr em dúvida sem submeter-se à rejeição social". As sociedades entraram num dogmatismo teísta: a verdade religiosa era inquestionável, assegurada pela razão, as emoções, os interesses vitais, a tradição, a coesão social.
O próprio cristianismo, dentro dos pressupostos filosóficos e sociopolíticos do universo greco-romano, interpretou-se dogmaticamente. O paradigma greco-romano impôs-se como teocêntrico - "a razão conhecia com certeza absoluta a existência de Deus e a vida humana só podia ter Deus como centro essencial de referência, isto é, não era possível uma ideia do homem sem Deus" - e teocrático - "Deus era o único ponto de referência possível para organizar a sociedade civil e entender a origem do princípio de autoridade: na lei natural divina ou na lei positiva de Deus pela revelação".
3. Mesmo assim, houve sempre seres humanos que desconfiaram desta convicção. Mas era muito difícil a exposição de posições contrárias, pois contradizia o dogmatismo dominante, que reprimia os dissidentes.
Foi a partir dos séculos XV, XVI e XVII que teve início o movimento cultural da modernidade, sendo ele a tornar possível que "pela primeira vez se formulasse uma alternativa rigorosa ao pensamento teísta. A possibilidade de entender o universo sem Deus e, por conseguinte, viver uma vida individual e social sem Deus, na imanência do mundo, adquiriu carta de cidadania".
4. Depois, deu-se o enfrentamento de dois dogmatismos: o dogmatismo religioso e o dogmatismo ateu. Nestas condições de confronto, não era possível a mútua compreensão. Mas no século XX, com a nova ciência, operou-se uma mudança crucial, que obrigou a passar da modernidade dogmática à modernidade crítica, e o enigma do universo e a incerteza metafísica abriram ao teísmo e ao ateísmo críticos: é possível que Deus exista e é possível um puro mundo sem Deus. Com razões.
Acabo de falar com um dos meus amigos jornalistas parlamentares ( inté que me apetecia estar por aí...) que só pode falar comigo algumas horas depois de lhe ter ligado!
-Ó pá, tu desculpa-me lá.....
-Pois, quem não aparece esquece, estou a ver.......
-Tu és parvo ou quê?! Sabes como gostam...bla, bla,!..Mas o que se passa agora é que eu nunca andei tanto de um lado para o outro entre o Bloco e o PêCêPê a tentar perceber o que é que eles vão fazer com esta história de Bruxelas, OE, etc!!!!!
BOA NOITE, SENHOR PRESIDENTE!
-Pst!Pst! Então, António, agora já não fala comigo, hein?!Lá por ter sido eleito Presidente não deixei de o considerar.....
-Ó prof Marcelo, desculpe, juro que não o tinha visto, mas é claro que quero continuar a falar consigo, por que não?! Aliás, deixe-me dar-lhe os parabéns não só pela sua expressiva e democrática vitória mas também......
-Ainda bem que o vejo. Disseram-me que você andava para aí a escrever umas coisas a meu respeito, ó homem, não me diga que me utilizou para os seus AAAnimados Almoços e que agora.....
-Então, meu caro, ainda bem que me fala nisso pois, de facto, nos últimos dias, tenho andado a pensar cá com os meus botões até que ponto ( desculpe-me, presunção e água benta, quem sou eu..) é que também fui cúmplice em ter alimentado o seu sonho. Sonho cuja legitimidade não discuto, antes, o percurso para lá chegar.
Leu com certeza aquele artigo do Público, do prof J-m Nobre Correia, no qual, em síntese, critica a generalidade dos media portugueses e....
-Mas você acha que eu, que tanto leio, tive tempo nesta campanha para pegar num artigo por muito original que ele tenha sido, mas, já agora despache-se lá, que eu tenho ali os meus seguranças à espera, e diga-me lá onde é que quer chegar. Não me venha com esse argumento estafado....
-Como sabe, e já que está com pressa, não posso deixar de lhe dizer por que razão cresceu este, como dizer, meu recente azedume, não em relação à sua pessoa, mas a algumas das suas contradições. Como sabe, apoiei o professor António Nóvoa, muito antes do meu partido e até lamentei que ele não se tivesse distanciado ainda mais, adiante. Foi por isso que no debate que teve com ele, quando o vi questionar " quem é que ele se julgava" para vir candidatar-se, questionando, até, a falta de curriculum político, quando o meu caro tantas vezes fez apelo à participação dos cidadãos na coisa pública, como aliás se viu, e eu aplaudi, quero que saiba....
-Ó António, aí tem razão! Você nem imagina a pressão que pela primeira vez senti e, de facto, não foi muito simpático da minha parte. Aliás, gostei muito da forma como ele se me dirigiu na noite eleitoral....
-Digo-lhe mais, professor, ADOREI a sua campanha.Se fizer um esforço para me libertar dos anticorpos que lhe referi, o seu estilo de proximidade, informalidade, contam, desde há muito, com a minha total adesão, como aliás lhe fiz ver na parte íntima do nosso animado almoço, se bem se lembra.....
-Ó António, tenho mesmo de ir. Quero continuar a contar com esse seu espírito crítico, tal como lhe disse nesse nosso almoço, esqueça lá esse meu "pecado presidencial", caramba, e junte-se a mim para a luta pelos mais pobres, pelos marginalizados da vida, ah! e conto consigo para vir participar nas minhas iniciativas do PALÁCIO ABERTO, nomeadamente, na área da pintura e, também, para dar uns toques no piano de cauda que já tratei de adquirir.
Quanto às bocas dos seus amigos, faça como eu, conte até 100 e depois siga em frente...
-Não lhe falei do rapaz Costa.....
-Ó António, não venha borrar a pintura!Deixe-o comigo, vá!!!
Boa noite e...ânimo!!!
-Ânimo também para si!Boa noite, Senhor Presidente!
antónio colaço
PS
Qualquer semelhança entre a realidade....
Mas, uma coisa é certa, os meus votos de boa Presidência!
(Foto.António Henrique, na apresentação do livro do meu querido amigo José Castilho, no Saldanha Residence.Obrigado, António!)
Para certas gripes não bastam aspirinas e chá de tília
1. Dizem-me que a Igreja Católica, em Portugal, está a cair de sono. Alguns acrescentam: pode dormir à vontade porque só quando Fátima entrar em crise é que será preciso algum cuidado. Ainda não chegamos aí.
Bocas são bocas e má-língua é má-língua. Para o confronto com a realidade, talvez fosse preferível promover algumas sondagens e iniciativas de jornalismo de investigação para responder às seguintes questões:
Como reagem, que dizem e fazem os católicos portugueses – sejam eles leigos, religiosos, padres e/ou bispos – perante as atitudes, as intervenções, os gestos e as declarações do Papa Francisco?
Qual a influência das suas orientações no modo de viver a fé cristã nas paróquias, nas dioceses, nos movimentos, nas congregações religiosas, nos colégios e na universidade católica?
Como é recebida na vida pessoal, familiar, profissional, na intervenção social e política o seu exemplo e as suas propostas?
Será verdade que, na Igreja em Portugal, se desenvolvem várias formas de resistência activa e passiva à linha pastoral de Bergoglio?
Ter-se-á passado da papolatria para a Bergoglio-alergia?
Disseram-me que era muito duvidoso que alguém se pudesse interessar por um projecto desses. De qualquer forma, aqui fica a sugestão.
Estas interrogações vieram-me de muitos lados, mas foi sobretudo aquilo que o próprio Papa Francisco disse na audiência à Cúria Romana, nos votos de Natal e Ano Novo, que as tornou inevitáveis [1].
Lembrou que no primeiro encontro, em 2013, tinha salientado dois aspectos do trabalho curial: o profissionalismo e o serviço; em 2014, abordou algumas tentações e doenças, o “catálogo das doenças curiais”; hoje, porém, diz o Papa, devo falar dos “antibióticos curiais” – que poderiam afectar cada cristão, a cúria, a comunidade, a congregação, a paróquia e o movimento eclesial; doenças que requerem prevenção, vigilância, cuidado e, infelizmente, em certos casos, intervenções dolorosas e prolongadas.
Algumas dessas doenças manifestaram-se no decurso deste ano, causando não pouco sofrimento a todo o corpo e ferindo muitas almas, mesmo com o escândalo.
Forçoso é dizer que isto foi – e sê-lo-á sempre – objecto de sincera reflexão e de medidas decisivas. A reforma prosseguirá com determinação, lucidez e ardor, porque: Ecclesia semper reformanda.
(…) Além disso, as próprias resistências, fadigas e quedas das pessoas e dos ministros constituem lições e oportunidades de crescimento, e nunca de desânimo. São oportunidade para “voltar ao essencial”, que significa avaliar a consciência que temos de nós mesmos, de Deus, do próximo, do “ sensus Ecclesiae” e do “sensus fidei” [2].
2. Bergoglio, depois de falar do sentido do profissionalismo e do serviço no trabalho curial, do catálogo das doenças e dos antibióticos curiais – aparentemente sem os nomear – concretiza-os num ”catálogo das virtudes necessárias” para quem presta serviço na Cúria e para todos aqueles que querem tornar fecunda a sua consagração ou o seu serviço à Igreja.
Este catálogo, que não pretende ser exaustivo, resulta de cada uma das letras da palavra misericórdia dispostas em acróstico.
Depois da sua engenhosa explanação – e que não podemos reproduzir aqui – conclui: seja a misericórdia a guiar os nossos passos, a inspirar as nossas reformas, a iluminar as nossas decisões; seja ela a coluna sustentáculo do nosso agir; seja ela a ensinar-nos quando devemos avançar e quando devemos recuar um passo; seja ela a fazer-nos ler a pequenez das nossas acções no grande projecto de salvação de Deus e na majestade misteriosa da sua obra [3].
3. Por que será que o Papa se preocupa tanto em elaborar catálogos de doenças, de antibióticos-virtudes curativas?
Para ele, a Igreja é um hospital de campanha. Quando surgem acidentes, importa saber rapidamente o que é preciso fazer.
“A Igreja não está no mundo para condenar, mas para permitir o encontro com aquele amor visceral que é a misericórdia de Deus. Para que isso aconteça, repito-o muitas vezes, é necessário sair. Sair das igrejas e das paróquias, sair e ir procurar as pessoas onde elas vivem, sofrem, esperam. O hospital de campanha, a imagem com a qual gosto de descrever esta situação “Igreja em saída”, tem a característica de estar onde se combate: não é a estrutura sólida, dotada de tudo, onde se vai curar as pequenas e grandes doenças. É uma estrutura móvel, de primeiros socorros, de intervenção imediata, para evitar que os combatentes morram. Pratica-se a medicina de urgência, não se fazem check-ups especializados. Espero que o Jubileu Extraordinário faça emergir cada vez mais o rosto de uma Igreja que redescobre as entranhas maternas da misericórdia e que vai ao encontro de muitos “feridos” necessitados de compreensão, perdão, amor e de serem ouvidos” [4].
Para certas gripes não bastam aspirinas e chá de tília.
[1] Cf. Discurso à Cúria Romana por ocasião das felicitações de Natal (21.12.2015)
[2] As citações são do texto referido na nota 1.
[3] Continuo a citar o texto referido
[4] Cf. Andrea Tornielli, Francisco, O nome de Deus é Misericórdia. Ed Planeta, Lisboa, 2015, pp. 63-64.
COMENTÁRIO
“A Igreja não está no mundo para condenar, mas para permitir o encontro com aquele amor visceral que é a misericórdia de Deus. Para que isso aconteça, repito-o muitas vezes, é necessário sair. Sair das igrejas e das paróquias, sair e ir procurar as pessoas onde elas vivem, sofrem, esperam."
2
Tal como deixei escrito no texto do Pe Anselmo, este Deus misericordioso feito de uma misericórdia a retalho, um Deus à medida, um Deus que perdoa tudo SÓ a quem passe nas portas da misericórdia.....esse Deus dá muito jeito.
Agora aquele que verdadeiramente nos pede que saiamos do bem bom da nossa instalaçãozinha, Esse, dá muito trabalho. Nada que não se resolva com uma confissãozita, umas indulgências plenárias...
Não desista, Papa Francisco, não desista Frei Bento e Pe Anselmo, todos, enfim, os que nos rendemos ao Deus que verdadeiramente nos quer amar sem quaisquer condições.
antónio colaço
O PESADELO DO TEÓLOGO
Pe Anselmo Borges
In DN
1. Bertrand Russell, para lá de ser um dos grandes matemáticos do século XX e filósofo, foi um escritor brilhante e irónico, Prémio Nobel da Literatura. No seu livro de Contos, há um, célebre, com "o pesadelo do teólogo". Vou resumir.
"O teólogo eminente Dr. Thaddeus sonhou que tinha morrido e seguido rumo ao Céu. Os estudos haviam-no preparado e não teve dificuldade em encontrar o caminho. Bateu à porta do Céu e foi recebido com um escrutínio maior do que esperava. Disse: - Peço admissão porque fui um homem bom e dediquei a vida à glória de Deus. - Homem? - exclamou o porteiro. - O que é isso? E como podia uma tão estranha criatura como o senhor fazer alguma coisa para promover a glória de Deus?
O Dr. Thaddeus ficou espantado. - O senhor decerto que não ignora o homem. Deve saber que o homem é a obra suprema do Criador. - Quanto a isso - tornou o porteiro - lamento magoá-lo, mas o que está a dizer é novo para mim. Duvido que alguém cá em cima já tivesse ouvido falar dessa coisa chamada "homem". No entanto, uma vez que parece tão desapontado, pode consultar o nosso bibliotecário.
O bibliotecário, um ser esférico com mil olhos e uma boca, pousou alguns dos seus olhos sobre o Dr. Thaddeus. - O que é isto? - perguntou ao porteiro. - Isto diz que é um exemplar de uma espécie chamada "homem" que vive num lugar chamado "Terra". Julga que o Criador tem um interesse especial por esse lugar e por essa espécie. Pensei que talvez pudesse esclarecer".
Depois de o teólogo ter explicado que a Terra é parte do Sistema Solar, que por sua vez é parte da Via Láctea, uma galáxia entre milhares de milhões, foi mandado chamar um dos sub-bibliotecários, especializado em galáxias e que tinha a forma de um dodecaedro. Assim, umas três semanas depois, com o trabalho exaustivo de cinco mil empregados, "o sub-bibliotecário voltou e explicou que o ficheiro extraordinariamente eficiente da secção galáctica da biblioteca lhe havia permitido localizar a galáxia como número XQ 321,762". O Dr. Thaddeus explicou então ao empregado especialmente interessado na galáxia em questão, um octaedro com um olho em cada face e uma boca numa delas, que o que ele desejava saber se referia ao Sistema Solar, uma colecção de corpos celestes que gira à volta de uma das estrelas da galáxia, chamando-se essa estrela "Sol".
"- Safa!" - disse o bibliotecário da Via Láctea. - "É difícil descobrir a galáxia, mas descobrir a estrela dentro da galáxia é ainda muito mais difícil. Sei que há cerca de trezentos mil milhões de estrelas na galáxia, mas não sei distingui-las umas das outras. Creio, todavia, que, uma vez, foi pedida pela Administração uma lista de todos os trezentos mil milhões e isso deve estar ainda guardado na cave. Se achar que vale a pena, arranjarei pessoal especial do Outro Lugar para procurar essa estrela."
Alguns anos mais tarde, foi um tetraedro arrasado de cansaço que compareceu diante do sub-bibliotecário galáctico, dizendo: "Descobri, finalmente, essa estrela especial sobre a qual foram feitas investigações, mas estou absolutamente desorientado quanto ao interesse que ela levantou. Faz lembrar muitas outras estrelas da mesma galáxia. É de tamanho médio, de temperatura média, e está cercada por corpos muito pequenos chamados "planetas". Após minuciosa investigação, descobri que alguns desses planetas, pelo menos, têm parasitas, e creio que essa coisa que tem estado a fazer perguntas deve ser um desses parasitas."
Nessa altura, "o Dr. Thaddeus desatou num indignado e apaixonado lamento: - Porque é que o Criador escondeu de nós, pobres habitantes da Terra, que não fomos nós que o levámos a criar os céus? Servi-O toda a minha vida, servi-O diligentemente, acreditando que Ele havia de reparar no meu serviço e recompensar-me com a Felicidade Eterna. E agora até parece que nem sequer sabe da minha existência. O senhor diz-me que sou um animálculo infinitesimal num minúsculo corpo que gira em volta de um insignificante membro de uma colecção de trezentos mil milhões de estrelas, colecção esta que é apenas uma entre muitos milhares de milhões. Não posso aguentar isto. Não posso mais adorar o meu Criador. - Muito bem - retorquiu o porteiro. Então pode ir para o Outro Lugar.
Aqui, o teólogo acordou. E murmurou: - O poder de Satanás sobre a nossa imaginação adormecida é terrível".
2. Afinal, ocupamos um lugar periférico no Universo. Pascal perguntava: "O que é um homem no infinito? Apavora-me o silêncio dos espaços infinitos." Mas, por outro lado, é no homem que este processo gigantesco toma consciência de si. Somos reflexivos e temos autoconsciência: desdobramo-nos e reconhecemo-nos. Sabemos do bem e do mal. E levamos connosco a pergunta inevitável e triturante do sentido, do sentido último: qual o sentido de tudo?, porque há algo e não nada?, o que vale a minha vida?, existimos porquê e para quê? Transportamos connosco a questão da morte e de Deus, a dupla face do Absoluto.
COMENTÁRIO
De facto o Deus que nos tem sido servido, arrumadinho, em ciclos litúrgicos muito especificadinhos, entre bulas e anos jubilares redentores por inteiro de um passdo pecaminoso, se te confessares, se te ajoelhares, um Deus que tudo vê e que está preparado para te castigar à esquina das tuas insuficiências e tentaçoes....esse Deus do mais fácil não pode, de facto, existir.
O Pe Anselmo continua a subir a p...arada no sentido de nos fazer confiar no Deus que tardamos em perceber estar mais próximo de nós do que julgamos.
Sim, esse Deus feito de pesadelos não pode mesmo existir.
O alívio que pressentimos só pode ser ele mesmo uma manifestação do Deus "felicitante"!!!!
antónio colaço
Sem a conversão do desejo não há reforma possível. O Papa Francisco que o diga.
1. As renovadas investigações que, na observância do método histórico, procuram resgatar a memória de Jesus de Nazaré deixam muitos cristãos bastante desapontados: mas é só isto? Tanto barulho, tantos livros para tão pouco?
Esses estudos valem por si próprios, mas também ajudam, pelo menos indirectamente, a dar força à evocação que abre sempre, na Missa, a proclamação do Evangelho: naquele tempo!
É verdade que a grande maioria dos participantes na Eucaristia, se retiver apenas essa indeterminada evocação, continuará de memória vazia. De qualquer modo, essas investigações não fecham os cristãos no Ano I assistindo à autópsia do cadáver errado, como por vezes se diz.
O que está em causa é, sobretudo, a fidelidade à condição temporal do cristianismo. Teria algum sentido dizer naquela eternidade? Os participantes nas celebrações de fé cristã atraiçoam a sua genuína significação quando não as entendem e vivem em confronto com os problemas pessoais, familiares, sociais e eclesiais, do nosso tempo.
Os rituais cristãos mais estruturantes são poucos, belos e simples. Inscrevem-se nos momentos chave de transformação da vida espiritual, nas suas diversas etapas e dimensões. É por ignorância, rubricismo e inépcia pastoral que as suas configurações litúrgicas se podem tornar uma tristeza.
É indispensável fazer sempre a ponte entre o tempo das quatro narrativas evangélicas, dos Actos dos Apóstolos, das cartas de Paulo, de João, etc. e o nosso tempo. É fundamental saber mostrar que aquilo que aconteceu na intervenção histórica de Jesus tinha e tem energia e significação para todos os tempos e lugares. Esta é uma convicção de fé, de clarividência cristã. A fé dá que pensar e desejos de entender.
Note-se que os escritos do Novo Testamento são, em si mesmos, uma ponte entre o percurso histórico de Jesus e o tempo de revisão do seu sentido, segundo os novos e diferentes contextos de vida e celebração das comunidades cristãs do primeiro século.
2. Por causa de várias interpelações que recebi no tempo de Natal, quero destacar o sentido do contraste entre duas genealogias de Jesus. São aborrecidas para os leitores de hoje e fonte de equívocos.
Não pretendem fazer história. Com as referências bíblicas selecionadas para o efeito, tentam elaborar cristologias simbólicas.
O Evangelho segundo S. Mateus, com o intuito de mostrar que Jesus realizava as esperanças messiânicas judaicas, constrói-lhe uma ascendência essencialmente israelita: “Livro da origem de Jesus Cristo, filho de David, (…), Jacob gerou José, esposo de Maria da qual nasceu Jesus, chamado Cristo”.[1] O salvador de Israel só pode nascer de Israel e assumir a sua história!
O Evangelho de S. Lucas, escrito a partir da prática da Igreja aberta aos gentios – na convicção de que o horizonte de Jesus Cristo é toda a humanidade - segue outro processo. Coloca o próprio Adão - o antepassado mítico de toda a humanidade - como o próprio antepassado de Jesus: “filho de José (…), filho de Adão, filho de Deus”. Isto é, o enviado a toda a humanidade assume todo o seu passado [2].
Do ponto de vista estritamente histórico, isto pouco vale. Nos dois casos, porém, a astúcia simbólica, cristológica, messiânica é fantástica!
3. Vamos à questão decisiva. Jesus levou muito tempo a encontrar o seu caminho. Foi discípulo de João Baptista de quem recebeu o baptismo no rio Jordão. Existem boas razões para ver aí reminiscências históricas. No entanto, o importante não vai ser o encontro dos dois profetas, mas o seu irremediável desencontro.
João Baptista é o profeta apocalíptico da “cólera de Deus”. Conta-se que Jesus depois do baptismo no Jordão, encontrando-se em oração, teve uma experiência divina que o convenceu de que João, no qual reconhecia um homem extraordinário, estava completamente errado acerca de Deus e do ser humano. É o Espírito de Deus que lhe abre o céu numa declaração de puro amor: Tu és o meu Filho bem-amado; eu hoje te gerei! [3]
Começa, aqui, a alteração radical do próprio messianismo. Esta revolução ficou clara na cena simbólica das tentações de Jesus. Ele considera diabólica, idolátrica a procura da dominação económica, política e religiosa [4].
O seu programa de libertação dos oprimidos resulta do jubileu da pura graça de Deus. Rompe e fecha para sempre o dia da sua ira e vê o mundo a partir das periferias sociais e religiosas [5].
Qual o maior obstáculo dos discípulos em entenderem o Mestre? Desejavam o mundo que Jesus recusou nas tentações messiânicas. Vem tudo no Evangelho de S. Marcos. [6] Cristo teve de convocar uma reunião de emergência para resolver o mal-estar no grupo que o seguia. Primeiro de forma surda e depois de modo explícito verificou que só lhes interessava o poder. Jesus apenas os queria preparar para servir e eles preparavam-se para mandar.
Sem a conversão do desejo não há reforma possível. O Papa Francisco que o diga.
[1] Mt 1,1-17
[2] Lc 3, 12-18
[3] Lc 3,21-22 par.
[4] Lc 4, 1-13 par.
[5] Lc 4, 16-30
[6] Mc 4-10 par.
(Foto.Pedro da Silva.O Pe Anselmo após a apresentação da minha exposição ABRIL ÂNIMOS MIL, na Galeria da Associação 25 de Abril. Lisboa Abril/Maio 2009 )
URGENTE AVISAR TODA A GENTE
Leia todo o WEBANGELHO de Anselmo Borges, aqui mais abaixo!!!
Se publico a imagem do abraço do meu querido amigo Pe Anselmo é para dar testemunho de que o caminho é por aqui!
Cada vez mais estou certo e seguro de que os novos tempos trazem de volta o NOVO TEMPO do Jesus Cristo de então, ou seja, o de HOJE E de SEMPRE!...
Obrigado Pe Anselmo!
antónio colaço
"Hoje, já se percebeu que o Livro do Génesis não é um documento histórico e, por causa da evolução, já não é possível pensar que Adão e Eva foram criados "adultos, belos e perfeitos, num maravilhoso paraíso terrestre": é claro que a humanidade se desprendeu lenta e progressivamente da animalidade e já não podemos "fundar uma culpabilização hereditária do homem e da mulher sobre a narrativa do Génesis". No judaísmo, não há lugar para um pecado original. Jesus nunca falou do pecado original e até recomendou aos discípulos que, para entrarem no reino dos céus, fossem como crianças... que brincavam numa rua vizinha e que "não tinham recebido o baptismo".
6. Mudar a linguagem. Por exemplo, ninguém entenderá hoje o significado de expressões do credo, como "desceu aos infernos", "subiu aos céus", "ressurreição da carne"."
O FUTURO DA IGREJA (II)
Pe Anselmo Borges, In DN
Na obra que acaba de publicar, L'avenir de Dieu, que é o seu "testamento" intelectual, espiritual e religioso, Jean Delumeau, 92 anos, depois de mostrar que a grande falha da Igreja foi ter-se convertido em poder, como vimos no sábado passado, apresenta "pistas e proposições" para o futuro.
1. O governo da Igreja. Não tem o governo da Igreja Católica de "ser profundamente repensado e reconstruído", devendo estar "mais atento do que no passado aos desejos e aspirações dos fiéis"? Não deveriam estes "poder escolher os seus representantes que constituiriam uma espécie de parlamento da catolicidade?"
Antes, isso era irrealizável. Mas actualmente o mundo tornou-se uma pequena aldeia na qual todos podem comunicar instantaneamente entre si no planeta. Então, porque é que não poderei "manifestar o desejo de que os futuros responsáveis da Igreja Católica ao mais alto nível sejam um dia eleitos por um parlamento mundial dos fiéis para um mandato por tempo determinado? Em que é que esta prática atraiçoaria a mensagem de Cristo?"
2. A "Humanae vitae". Com este tipo de governo, as decisões quanto à vida sexual dos fiéis não seriam contrárias ao bom senso, pois não seriam tomadas por "poderes eclesiásticos compostos unicamente por celibatários". "Hoje, parece inconcebível e inadmissível para os nossos contemporâneos que Paulo VI tenha publicado a encíclica "Humanae vitae" depois de ter autoritariamente retirado o dossiê da contracepção das deliberações do concílio Vaticano II. Nestas condições, para quê reunir um concílio ecuménico? Aliás, muitos canonistas pensam que esta encíclica, que esvaziou as igrejas, não é válida, pois não foi "recebida" pelo povo cristão."
3. A lei do celibato. Há uma série de reformas urgentes, que "a civilização em que estamos mergulhados impõe". Por exemplo, "não impor mais o celibato aos padres (o que não impediria em nada a existência de fiéis que livremente escolham o celibato, para se consagrar inteiramente à Igreja e à oração)".
4. A mulher na Igreja. Impõe-se "valorizar o lugar da mulher na Igreja", indo aliás ao encontro de várias práticas das primeiras comunidades cristãs. "Esquece-se demasiado que o cristianismo, historicamente, contribuiu em grande medida para a libertação da mulher." Deseja, pois, "com uma forte convicção, a reabilitação plena e completa da mulher no catolicismo". Estamos ainda muito longe, mas é por isso que os dignitários da Igreja Romana, que actualmente são só homens, devem finalmente tomar consciência de que estamos na civilização da "inovação absoluta, a que devemos fazer face, desembaraçando-nos dos reflexos, desconfianças e interditos herdados de um passado superado. Ora, não encontraremos nos Evangelhos nem razões teológicas nem maldições eternas a sancionar o "sexo fraco". Atendendo à evolução recente e inédita da nossa civilização, o catolicismo deve, portanto, imperativamente, dar finalmente à mulher todo o seu lugar, em igualdade com o do homem, no governo de uma religião que se quer universal e comum aos dois sexos. O êxito de uma nova evangelização passa, na minha opinião, pela reabilitação completa da mulher nas Igrejas cristãs. Por imperativo da minha alma e consciência, e antes do silêncio que em breve a morte me imporá, quero lançar um grito de alarme: na minha opinião, a salvação e o futuro do cristianismo, e nomeadamente do catolicismo, passam por esta completa reabilitação da mulher. E não hesito em colocar a questão, que não é, na minha opinião, de modo nenhum sacrílega: porque é que uma mulher não poderia um dia ser eleita para a sede de Pedro?"
5. O pecado original. Também aqui se impõe reflectir. Para se não cair na aberração daquelas boas mães que não ousavam beijar o bebé enquanto não fosse baptizado.
Hoje, já se percebeu que o Livro do Génesis não é um documento histórico e, por causa da evolução, já não é possível pensar que Adão e Eva foram criados "adultos, belos e perfeitos, num maravilhoso paraíso terrestre": é claro que a humanidade se desprendeu lenta e progressivamente da animalidade e já não podemos "fundar uma culpabilização hereditária do homem e da mulher sobre a narrativa do Génesis". No judaísmo, não há lugar para um pecado original. Jesus nunca falou do pecado original e até recomendou aos discípulos que, para entrarem no reino dos céus, fossem como crianças... que brincavam numa rua vizinha e que "não tinham recebido o baptismo".
6. Mudar a linguagem. Por exemplo, ninguém entenderá hoje o significado de expressões do credo, como "desceu aos infernos", "subiu aos céus", "ressurreição da carne".
7. Impõe-se a unidade das Igrejas cristãs e o diálogo inter-religioso, e não se pode ignorar a ciência. Os cristãos precisam de acolher inovações que, no princípio, parecerão incómodas, mas, depois, "portadoras de um futuro religioso durável e fecundo".
Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico
AS MÚSICAS DA MÚSICA
Enquanto não sobem os coralistas para mais um ensaio do Coral Lux Aeterna, vai de aquecer os dedinhos!
Os primeiros improvisos na Matriz do Montijo.
COM QUEM COMEÇAR O NOVO ANO(II)
Frei Bento Domingues
In Publico 10 Janeiro
1. Para mim, Jesus Cristo foi desde sempre, é e será o ser sublime, supremo e ideal que a humanidade produziu. Enquanto Judeu, é o único orgulho que sinto de ser da sua raça. A sua existência, as suas palavras, o seu sacrifício e a sua fé deram ao mundo o mais nobre presente jamais recebido: o do amor, do amor do próximo, do amor do pobre, a compaixão, a humildade, enfim todos os sentimentos que enobrecem o ser humano… é o Homem supremo. Estas são palavras do famoso músico Arthur Rubinstein (1887-1982).
Santa Tereza de Avila [1] (1515-1582), com ascendência judaica, escreveu um dos mais belos sonetos da literatura espanhola, nascidos da sua paixão por Jesus: (…) Muéveme, enfin, tu amor de tal manera/ que aunque no hubiera cielo, yo te amara,/ y aunque no hubiera infierno, te temiera (…).
O Papa Francisco, no prefácio a uma Bíblia para jovens de língua alemã, escreveu: “Gostaria de vos dizer uma coisa: hoje - ainda mais do que no início da Igreja - os cristãos são perseguidos; qual é a razão? São perseguidos porque carregam uma cruz e dão testemunho de Cristo; são condenados porque possuem uma Bíblia. Com toda a evidência, a Bíblia é um livro extremamente perigoso, tanto que nalguns países quem possui uma Bíblia é tratado como se escondesse bombas no armário!”
Bergoglio recordou que Mahatma Gandhi, que não era cristão, tinha afirmado: “Aos cristãos foi confiado um texto com a quantidade de dinamite suficiente para fazer explodir em mil pedaços a civilização inteira, para virar o mundo de cabeça para baixo e trazer a paz a um planeta devastado pela guerra, mas tratam-no como se fosse uma simples obra literária, nada mais”.
O Papa acrescenta aos jovens. Tendes nas mãos algo divino: um livro de fogo, um livro no qual Deus fala. Por isso recordai-vos: a Bíblia não é feita para ser posta na estante.
Seria uma estupidez fundamentalista pensar que basta abrir a Bíblia, para entrar naquele universo cultural, que não é um ditado divino. É a biblioteca de um povo, de épocas diferentes, muito diferentes, com grande diversidade de géneros literários. É indissociável do estudo e dos métodos de interpretação [2].
Conta-se nos Actos dos Apóstolos [3] que um etíope, funcionário real, regressando de Jerusalém, sentado no seu coche, lia o profeta Isaías. Filipe, discípulo de Cristo, perguntou-lhe: “compreendes o que lês?” Como poderia, se não há quem mo explique?
2. O Novo Testamento exprime-se em 27 livros, reconhecidos como canónicos. A grande maioria foi escrita em grego, entre os anos 50 e 90 d.C. Cobre vários espaços geográficos e culturais, estilos de vida e de pensamento espantosamente ricos e diversos. As diferenças entre eles reflectem um impressionante pluralismo teológico nas primeiras comunidades cristãs, a ponto de se ter dito que, nos escritos da época apostólica, se pode reconhecer um “catolicismo primitivo”, “um protestantismo primitivo” e uma “ortodoxia (oriental) primitiva”.
Esta lista canónica, ao reconhecer a validade da diversidade de expressão teológica, demarca, ao mesmo tempo, os limites da diversidade aceitável dentro da Igreja [4].
3. O assunto de todos os escritos do Novo Testamento é, no entanto, Jesus de Nazaré, reconhecido como Cristo pelas comunidades que, em seu nome, se foram formando, não sem muitos conflitos de interpretação.
Ponto assente: Ele não escreveu nada, nada mandou escrever nem deu o seu imprimatur a nenhum dos livros ou cartas que, sobre ele, foram escritos. Não existe nenhuma biografia encomendada por ele ou por ele autorizada. O cristianismo nasce no reino da liberdade criadora!
Daqui nasceu a convicção de que acerca de Jesus de Nazaré nada ou quase nada se pode saber de historicamente documentado. Apesar disso, surgiram, sobretudo a partir do séc. XIX, crentes e agnósticos interessados na descoberta do “Jesus histórico”.
Xavier Pikaza [5] tentou apresentar o percurso sinuoso das diversas tentativas que, desde Albert Schweitzer até Senén Vidal - passando por J.D. Crossan, Sanders , G. Theissen e J. P. Meier – procuraram desenhar um perfil histórico de Jesus de Nazaré. Foi um esforço que ocupou muitos especialistas do séc. XX e começos deste século. No meu entender, o pouco que foi conseguido já é muito.
ANTÓNIO GUTERRES
A ARTE COMO NOVO REFÚGIO
António Guterres manifestou, esta semana, o desejo de descansar por alguns tempos e depois logo se verá. Uma coisa é certa, à vida política não regressa mais, mas quer colocar a sua experiência ao serviço da comunidade.
2
Tive o privilégio de ser seu assessor de imprensa durante o tempo em que esteve na liderança do Grupo Parlamentar do PS....
Apercebi-me, aos poucos, da qualidade dos seus desenhos, os chamados "desenhos de sobremesa" ( quem os não faz ,seja à mesa gastronómica, à mesa de uma reunião, como no caso presente) e que deixava, em regra, nas mesas das reuniões do GP.
Ate que um dia reuni aqueles que me pareciam mais conseguidos e fiz uma colagem, devidamente emoldurada e oferecida.
Fica, então, uma sugestão, por que não aperfeiçoar, nos próximos tempos livres, a Arte destes pequenos instantes?!
Pe. Anselmo Borges
In DN
O FUTURO DA IGREJA - I
Estive com ele uma vez, em Paris, e impressionou-me muito a sua imensa cultura e simplicidade. Intelectual de enorme prestígio, ocupou a cátedra de História das Mentalidades Religiosas no Ocidente Moderno, no Collège de France. Autor de numerosas obras mundialmente conhecidas, Jean Delumeau acaba de publicar L"Avenir de Dieu (O Futuro de Deus), com o seu percurso de vida intelectual e espiritual ao longo de 60 anos. Católico de fé assumida, diz-se "humanista cristão" e interroga-se sobre as inquietações do presente e o futuro do cristianismo. Do alto da sabedoria e da autoridade dos seus 92 anos, propõe, já na conclusão, uma série de reformas urgentes para a Igreja, que, dada a sua importância, apresento hoje e no próximo Sábado.
Antes dessa conclusão, Jean Delumeau atravessa, em síntese, os grandes temas das suas investigações científicas, no quadro da história das mentalidades, como: o medo, o pecado e a culpabilização, a confissão, o perdão, o sentimento de segurança, o paraíso e as suas imagens, a Europa de hoje. E deixa pensamentos sábios, que obrigam a reflectir. Assim, no contexto da imagem terrífica de Deus, que tem de ser revista, escreve: "Hoje, os cristãos podem mais seguramente afirmar: ou os homens perdoam uns aos outros ou criaram e, ai!, criam já muitas vezes o inferno na terra." Hoje, quando já vivemos numa aldeia planetária, "descobrimos que somos forçosamente solidários uns com os outros e, para não perecermos, estamos condenados a unir-nos e a erguer uma governança mundial que deveria ter os meios de ser obedecida". "Constatou-se que o sentimento de insegurança - o "complexo de Dâmocles" - é causa de agressividade." No espaço dedicado ao paraíso terrestre reencontrado, refere que sobre Portugal se pôde escrever que "a persistência do messianismo animando a mentalidade de um povo durante tanto tempo e conservando a mesma expressão é um fenómeno que, exceptuando a raça judaica, não tem equivalente na história".
Apenas dei exemplos. Agora, algumas propostas de reforma da Igreja.
1. Um apontamento prévio quanto a "inventar o futuro": a partir do seu caminho pessoal, à luz da história e seguindo e exprimindo as inquietações do nosso tempo, Delumeau foi levado a colocar a pergunta: "Qual é o futuro de Deus?" Ora, quando se ergue o debate à volta da crise actual do cristianismo e da Igreja, na difícil dialéctica cristianização-descristianização, há o perigo de esquecer que, contra o que frequentemente se pensa, antes do século XIV, a Europa, segundo, G. Duby, não apresentava senão "as aparências de uma cristandade. O cristianismo não era plenamente vivido senão por raras elites." Lutero também escreveu: "Temo que haja mais idolatria agora do que em qualquer outra época." Daí que Delumeau acentue a importância da actualização, também para se não cair em idealizações e dogmatismos. Por vezes, é preciso "desaprender", não idealizar o passado.
2. Qual é o grande mal do cristianismo? A sua ligação ao poder. "Pelas suas consequências, uma das mais trágicas falsas vias para as Igrejas cristãs foi, depois do fim das perseguições, a ligação entre o poder imperial romano e a hierarquia eclesiástica, simbolizada e fortificada pela coroação de Carlos Magno pelo Papa."
Não se deve esquecer que desde sempre tinha havido, no Império Romano e fora dele, ligação e amálgama entre os poderes religioso e político. Foram, por isso, necessários muitos séculos e conflitos incessantes para que "o religioso e o político aceitem por fim distanciar-se um do outro, num equilíbrio aliás instável e que é necessário reajustar continuamente". De qualquer modo, "desde o início do século IV, a Igreja tornou-se um poder". Ora, "esta deriva perigosa", que durante muito tempo só a poucos causou choque, ainda não terminou.
A Igreja Católica "tem atrás de si um grande e belo passado de escritos religiosos sublimes, inumeráveis iniciativas caritativas e múltiplas obras de arte. Realizou uma obra civilizadora grandiosa e mundial. Deu à humanidade legiões de santos e santas, canonizados ou não, incansavelmente dedicados ao serviço do próximo. Mas a sua grande fraqueza foi ter-se constituído em poder... Ora, é preciso que de ora em diante abandone o poder, pratique a humildade para poder de novo convencer e dar-se a si mesma estruturas mais flexíveis do que no passado e, portanto, capazes de evoluir. Porque é necessário hoje aceitar e dominar evoluções inevitáveis".
Dever-se-á perguntar: como foi possível o movimento iniciado por Jesus ter hoje um Vaticano?! Seja como for, digo eu, a história é o que é e o que se impõe é uma revolução, para modos democráticos de governo eclesial, para a simplicidade, a transparência, o serviço. Cardeais e bispos não são "príncipes" nem podem viver como "faraós", diz Francisco. E as nunciaturas só poderão justificar-se enquanto serviços humildes de pontes para o diálogo e a paz mundiais.
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COMENTÁRIO
"Assim, no contexto da imagem terrífica de Deus, que tem de ser revista, escreve: "Hoje, os cristãos podem mais seguramente afirmar: ou os homens perdoam uns aos outros ou criaram e, ai!, criam já muitas vezes o inferno na terra." Hoje, quando já vivemos numa aldeia planetária, "descobrimos que somos forçosamente solidários uns com os outros e, para não perecermos, estamos condenados a unir-nos e a erguer uma governança mundial que deveria ter os meios de ser obedecida"
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Parece tão simples, afinal, dar a volta a séculos desta enraizada crença no Deus justiceiro, à espera de nós para o julgamento final, pronto a separar "os bons dos maus"....
É este trabalho árduo, lento, meticuloso, que nos ajuda a CONFIRMAR que a salvação é obra de todos os dias, AQUI E AGORA, que temos de agradecer a Anselmo Borges e a Frei Bento.
Dois dos grandes evangelizadores dos nossos dias!Obrigado,pois!
O ÓRGÃO QUE CONTA E QUE ME FAZ
ou, a minha primeira vez nos Jerónimos
Faz de conta que pus de lado todos os meus pudores sempre que falo do Órgão que amo mas que nunca aprendi a conhecer.
Faz de conta que não me preocupo com o meu ar de deslumbrado só porque consegui chegar ao Órgão dos Jerónimos....
Faz de conta que não ligo às quase trezentas visualizações que regista estes sete minutinhos da extrema bondade e paciência do meu querido amigo António Esteireiro, organista titular do Mosteiro dos Jerónimos e, muito menos às condições em que foi operada esta gravação com as "beatinhas" da Missa das sete e do terço que se preparavam para rezar e que eu não podia atrapalhar.
Faz de conta que não volto a falar da mão direita que não tenho (ou tenho "poucochinho"!!!) e muito menos da atenta e paciente ternura com que António me tempera os sons desta fábrica celestial de sons.
Faz de conta que não quero saber de nada e que me digo para me calar e que o melhor é entrar para os Jerónimos como se fosse hoje o meu primeiro Concerto de Ano Novo.
Conto-vos, esta música não me faz de conta, esta é a Música que CONTA PARA MIM e que de vez em quando ME FAZ!
Obrigado, tomem os vossos lugares (auscultadores) e conservem os vossos bilhetes.
Feliz 2016!
antónio colaço
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