Quinta-feira, 24 de Junho de 2010
VÉSPERAS . DEUS ESTÁ NO CÉREBRO?

Foto Rui Gaudêncio

Anselmo Borges:Deus não é objecto de experimentação científica"

 

DEUS ESTÁ NO CÉREBRO?

 

As neurociências são o grande continente para

o século XXI. Nisto acredita Anselmo Borges, padre

e professor de Filosofi a da Universidade de Coimbra

 

Maria João Lopes

 

 

Chegou à hora combinada a Coimbra. Tudo correu conforme o

previsto. Partiu do Porto, o carro andou, não teve nenhuma avaria,

ninguém se atravessou no caminho. Ao realçar que tudo aconteceu

como acreditámos que aconteceria, o que o sacerdote da Igreja

Católica e professor de Filosofi a da Universidade de Coimbra Anselmo

Borges nos queria dizer era que, ao contrário do que possamos pensar,

a maior parte da nossa vida passa-se no domínio da fé e não da razão.

Fé, que vem de fide, tem que ver com conf ar e acreditar. E é aí que

passamos a maior parte do dia. Claro que o carro podia ter

avariado, mil e uma coisas podiam ter acontecido. A realidade é

ambígua e, nesse caso, se não a considerássemos merecedora de

confi ança, entraria em campo a razão. Mas desta vez não foi

preciso. Fiámo-nos que o encontro iria acontecer e aconteceu, sem

alvoroços. Falámos com Anselmo Borges sobre ciência e religião,

sobre ateus e crentes. Aproveitámos a boleia de uma conferência sobre

“Fundamentalismos e intolerâncias da razão e da fé” e, no fim da sessão,

colocámos-lhe questões que ainda se prolongaram por e-mails. E

poderiam prolongar-se mais. É, que apesar dos tempos, há perguntas

que se mantêm. Uma delas é a questão entre Deus e ciência.

Ainda é pertinente? Para Anselmo Borges, sim. “Para

evitar o fundamentalismo tanto científico como religioso. Quando

a ciência pretende que tem o monopólio da racionalidade,

como se fosse a única via de conhecimento verdadeiro, cai no

fundamentalismo cientificista”, explica. Porque não é só a ciência

que tem a razão, ou razões, diz. A fé também tem: “Diria que a razão

para acreditar é fundamentalmente uma razão do sentido enquanto

sentido de todos os sentidos, isto é, do Sentido último”, diz por

e-mail, reconhecendo também existir fundamentalismo do lado da

religião, quando esta “não respeita a esfera própria da ciência e a sua

autonomia ou faz uma leitura literal dos livros sagrados”, como a Bíblia.

Mas há questões novas, deste tempo, no campo das neurociências, “o grande

continente para o século XXI”: “Hoje, por causa dos novos métodos,

como a ressonância magnética nuclear funcional,

que nos permitem observar o que se

passa no cérebro, concretamente as zonas activadas em presença das

diferentes emoções e actividades, surge a tentação do reducionismo,

no sentido de se defender que os acontecimentos espirituais não

passam de processos físicos e químicos no cérebro”, diz. Para

o docente, é “uma conclusão apressada, pois está-se a esquecer

que a realidade humana envolve biologia e cultura” e “a dimensão

cultural precisa de interpretação, para a qual não há métodos

científico-naturais”.

O ponto de Deus

Anselmo Borges sabe que há neurocientistas que se propõem

encontrar “o ponto de Deus” no cérebro e que alguns destes

estudiosos defendem que “a religião não é mais do que um produto do

cérebro, um artefacto do cérebro”. Mas aqui o padre cita o cientista

americano Andrew Newberg, que “popularizou a chamada

‘neuroteologia’”: “Ele diz mais ou menos o seguinte: se observo o

cérebro de uma monja franciscana que vive a experiência da presença

de Deus, vejo o que se passa no cérebro, mas não posso dizer se

Deus está lá e se existe ou não. Deus não é objecto de experimentação

científica”, defende o docente, que considera não haver conflito entre a

Igreja e os avanços científicos. Então, em que acreditar? No Big

Bang? Na teoria da evolução das espécies? No Génesis? Em Adão e

Eva? Para Anselmo Borges, pode acreditar-se tanto nas teorias científicas

como nas religiosas. A ciência explica-lhe o como, a

religião o porquê. Claro que, no quadro da ciência actual, aceito o

Big Bang e a teoria da evolução. Também aceito, mas numa leitura crítica,

o mito do Génesis e de Adão e Eva. Repare: numa leitura crítica. É preciso

entender que os livros sagrados não são livros de ciência, mas livros

religiosos”, nota, acrescentando que a intenção destas obras não é

ensinar ciência, mas o caminho da “relação com Deus”.

A ciência explica “como funciona o mundo”, mas o padre continua

a sentir-se insatisfeito. Há mais para perceber. “A ciência não pode

responder às perguntas: por que há algo e não nada? Qual o sentido

último da minha vida, da história e do mundo?”, questiona. E é aqui

que pode “aparecer a religião”, que “não pode ser cega nem irracional e

tem de dar razões”. Porque “a revelação não cai do

céu”. Nem Deus “faz ditados, nem fala directamente com ninguém”:

“A revelação de Deus é sempre indirecta, através do cosmos e da

história”, defende. E a fé, “uma entrega confiante ao mistério de

Deus, com razões”, “não exclui a dúvida”.

Anselmo Borges até está “de acordo” com o filósofo ateu André

Comte-Sponville, para quem um ateu que diz saber que Deus

não existe, “antes de ateu, é um imbecil, como é igualmente imbecil

o crente” que diz saber que Deus existe. “O ateu só pode dizer, e tem

razões para isso, que crê que Deus não existe, como o crente só pode

dizer, e tem razões para isso, que crê que Deus existe”, defende o

padre. E sublinha a diferença entre saber e crer.

 

In Público, P2,Sábado 19 Junho 2010.

 



publicado por animo às 18:00
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