Segunda-feira, 28 de Junho de 2010
WEBANGELHO DE FREI BENTO DOMINGUES

 Frei Bento Domingues

 

In Público, 27 Junho

 

“A ciência põe em evidência três dimensões que apontam para Deus”

 

Uma confiante peregrinação da razão 

 

Os editores da Economist publicaram, no ano

passado, um livro volumoso sobre política e

religião na batalha pela modernidade – já traduzido

em português – O Regresso de Deus, com

um subtítulo apelativo: Como o regresso da fé

está a mudar o mundo (1).

Acerca desse regresso uns dirão que ainda bem, dirão

outros que é uma desgraça. Deixo isso para outra altura,

porque a própria noção de regresso da fé é confusa.

Por onde andava ela? De qualquer forma, não sei se vale

a pena ligar muito a estes títulos bombásticos. Ainda

há bem poucos anos, com algumas obras de Michel

Onfray, Richard Dawkins, Cristopher Hitchens, etc.,

parecia que iríamos ser submergidos por uma onda

de ateísmo “científico” que, afinal, se contentou em

passear de autocarro por alguns países. Irritou-se, no

entanto, com a chamada conversão de

 

 

 Anthony Flew

(1923-2010), um filósofo britânico, conhecido e respeitado,

durante várias décadas, pelo seu pensamento

ateísta, embora se considerasse um “ateu negativo”,

ao declarar que “proposições teológicas não podem

ser verificadas ou falsificadas pela experiência”. Apresentou

esta posição, em 1950, no seu clássico artigo

Theology and Falsification (Teologia e Falsifi cação),

tido como uma das referências filosóficas mais citadas

da segunda metade do século XX. Para ele, qualquer

debate fi losófi co sobre Deus pressupunha o ateísmo e

o ónus da prova de que Deus existe fi cava a cargo de

quem afi rmava a sua existência.

 

2.Na narrativa da sua conversão, Deus não existe,

explicou: “Não estava a apresentar uma

tese geral acerca de toda a crença religiosa

ou acerca de toda a linguagem religiosa. Não

pretendia dizer que os enunciados religiosos

eram destituídos de sentido. Eu simplesmente desafiei

os crentes a explicarem como devem ser entendidas as

suas afi rmações, especialmente quando defronte de informação

contraditória” (2).

Antony Flew [na foto], de facto, não parou no seu

“ateísmo negativo”. A partir de 2004, confessa: “Hoje,

acredito que o universo foi criado por uma Inteligência

infi nita. Acredito que as intricadas leis deste universo

manifestam aquilo que os cientistas chamaram a Mente

de Deus. Acredito que a vida e os processos reprodutivos

têm origem numa fonte Divina.

“Por que razão acredito nisto, eu que professei e defendi

o ateísmo por mais de meio século? A versão curta

da resposta é a seguinte: porque é esta, segundo penso,

a imagem do mundo que emergiu da ciência moderna.

A ciência põe em evidência três dimensões que apontam

para Deus. A primeira é o facto de a natureza obedecer

a leis. A segunda é a dimensão da vida, de seres inteligentemente

organizados e movidos por propósitos, que

surgiu da matéria. A terceira é a própria existência da

natureza. Mas não foi apenas a ciência que me guiou.

Também fui ajudado por um estudo renovado dos argumentos

filosóficos clássicos.

“O meu abandono do ateísmo não foi provocado por

qualquer fenómeno ou argumento novos. Ao longo das

duas últimas décadas, toda a minha estrutura de pensamento

tem estado em migração; e isto é consequência

da minha constante avaliação dos dados provindos da

natureza. Quando finalmente acabei por reconhecer a

existência de Deus, não se tratou de uma alteração de

paradigma, porque o meu paradigma permanece – aquele

que Platão atribuiu a Sócrates: Temos de seguir a razão

para onde quer que ela nos leve” (pp. 83-84).

 

3.Quando se refere às leis da natureza como pensamentos

da mente de Deus, cita Stephen Hawking

que terminara o seu best-seller, Uma Breve

História do Tempo, com esta passagem: “Todavia,

se descobrirmos uma teoria complexa, esta

deve acabar por ser compreendida não apenas por um

punhado de cientistas. Poderemos, então, todos, filósofos,

cientistas e pessoas comuns, tomar parte na discussão do

porquê da nossa existência e da do universo. Se descobrirmos

a resposta, será o triunfo máximo da razão humana,

porque nessa altura conheceremos a mente de Deus.”

Antony Flew refere que, na página anterior, Hawking

tinha perguntado: “Mesmo que haja apenas uma teoria

unificada possível, ela não passará de um conjunto de

normas e de equações. O que é que dá vida às equações e

forma o universo que elas descrevem?” Depois, foi ainda

mais longe: “A impressão esmagadora é a da existência

de uma ordem. Quanto mais sabemos sobre o universo,

mais percebemos que é governado por leis racionais.

(...) Continuamos a ter pela

frente a questão: por que

é que o universo se dá ao

trabalho de existir? Se quisermos,

podemos definir

Deus como a resposta a esta

pergunta.” Muito antes,

já Einstein tinha usado uma

linguagem semelhante (pp.

90-91).

O filósofo inglês sabia que a ciência, enquanto tal,

não pode provar ou negar a existência de Deus. A sua

descoberta do Divino não resultou de experiências

científicas ou de equações, mas de uma compreensão das

estruturas que elas revelam e mapeiam: “Volto a dizer

que a viagem da minha descoberta do Divino foi até aqui

uma peregrinação da razão. Segui a razão até onde ela

me levou. E ela levou-me a aceitar a existência de um

Ser auto-existente, imutável, imaterial, omnipotente e

omnisciente” (p.133).

Esta antologia mínima não dispensa a leitura integral

de Deus não existe.

(1) John Micklethwait/Adrian Wooldridge, O Regresso de Deus,

Quetzal, Lisboa, 2010.

(2) Anthony Flew com Roy Abraham Varghese

 

NR

Sublinhados nossos.

ac

 



publicado por animo às 11:37
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