Segunda-feira, 25 de Outubro de 2010
WEBANGELHO DE FREI BENTO DOMINGUES

 

In Público de 24 Out

 

As crises: grandes oportunidades

 

Sempre ouvi falar da crise da Igreja, do cristianismo, da religião e até da “morte de Deus”, sem ressurreição

 

 

A palavra crise é de origem grega. Transitou do

campo médico para o económico e fi nanceiro.

Não me compete entrar na vozearia acerca das

expressões da crise que nos envolve. Anoto

apenas o seguinte: com todo esse barulho,

ocultam-se os labirintos da crise mundial, o veneno

subtil do império da fi nança e os actores que o servem.

O culto do dinheiro é enganador. Quando de meio necessário

se transforma no fi m e no sentido de tudo,

acaba por fazer do mundo um mercado. Não se pode

servir o dinheiro e o ser humano.

Para além das responsabilidades da banca, das empresas,

do Estado e dos Governos na crise que nos atinge,

não se pode fazer de conta que os indivíduos e as

famílias não são responsáveis pelo modo como usam o

seu poder de compra, como se comportam perante as

despesas necessárias, as de ostentação e as que devem

ser reservadas para o dom e a partilha. Se a crise servir

para hierarquizar o que é mais e menos importante na

vida, pode ser uma excelente ocasião de transformar a

necessidade em virtude.

2.Desde que me lembro, sempre ouvi falar da

crise da Igreja, do cristianismo, da religião

e até da “morte de Deus”, sem ressurreição.

Quando se discutia se tínhamos ou não entrado

numa era pós-cristã, veio a crise das

Missões, que tinham sido a revitalização das Igrejas cristãs

no século XIX. Em África, à medida das independências,

os missionários eram convidados a regressar à

evangelização da Europa, que bem precisava deles. No

campo protestante, falou-se muito de uma “moratória

missionária”. Em certos ambientes católicos, em vez de

missão, chegou-se a usar o termo demissão. Entrávamos,

portanto, numa era pós-missionária.

Foi, sem dúvida, o fi m de um determinado tipo de missões,

mas surgiu o entusiasmo pela inculturação missionária,

mesmo quando não se sabia muito bem o que esse

neologismo eclesiástico poderia implicar. A verdade é que

passou a ter um sentido universal, antigo e moderno, e

não apenas um uso de exportação para o Terceiro Mundo:

só pode ser salvo o que for assumido. João Paulo II lançou o

apelo a uma “Nova Evangelização” em perspectiva global,

provocando as Igrejas locais a responder a essa interpelação.

Se outro mérito não tivesse, conseguiu, pelo menos,

que a questão missionária começasse a ser encarada como

imperativo de todas as comunidades cristãs.

As crises podem redundar em novas oportunidades (1).

Em 1906, um publicista católico, Artur Gomes dos Santos,

traçava, num livro sobre O Catolicismo em Portugal, um

quadro pouco risonho da situação: “Exceptuando algumas

regiões do Norte, onde o povo conserva o hábito da

missa diária e da prática frequente dos sacramentos, no

resto do país os templos estão quase sempre vazios. Na

capital, com excepção de algumas capelas pertencentes

a ordens religiosas, ao dia de semana ninguém vai à igreja;

ao domingo a concorrência é fraca e nunca se vêem

homens. Só mulheres. No Sul do país, principalmente

no Alentejo, é pior ainda. [...] Dos cinco milhões de católicos

que se atribuem a Portugal, nem um décimo são

católicos.” Segundo este autor, “o catolicismo ofi cial é

apenas... nominativo”.

Na semana passada, lembrei alguns caminhos da chamada

“cruzada” que a “reconquista cristã” do país exigiu,

durante a Primeira República e durante o Estado Novo.

Com todas as difi culdades, acertos, erros e desvios, nos

começos dos anos sessenta do século passado, o cardeal

Cerejeira olhava para trás com orgulho do caminho percorrido.

A Igreja, em Portugal, nem precisava das lições

do Vaticano II! Já tínhamos feito isso tudo e muito mais...

O êxito era o começo de uma nova crise.

3.Crise global, com expressões muito diversas segundo

os países e continentes, que João XXIII e

o Concílio Vaticano II procuraram enfrentar. A

interpretação deste acontecimento não é unânime

no seio da Igreja católica. Os nostálgicos

do passado lamentam o fi m do catolicismo identifi cado,

por Yves Congar, com a concepção piramidal da Igreja,

o “tridentinismo”. Para outros, sem o Vaticano II, estaríamos,

hoje, mergulhados nas contradições do islão

perante o mundo moderno e o pluralismo religioso.

Não esqueçamos que foi só neste concílio que

se conseguiu reconhecer, oficialmente, o direito à liberdade

religiosa.

Termina, hoje, o Sínodo católico para o Médio

Oriente. Ainda não é o momento para um balanço

deste importante acontecimento. Para além

dos problemas internos,de tradições e de aggiornamento

próprios a cada uma das Igrejas, no seio

da catolicidade, as Igrejas cristãs estão ameaçadas.

Os números são eloquentes: a saída dos cristãos do

Médio Oriente é maciça e diversificada. Mais da metade

de palestinianos, em maioria cristãos, vivem

fora do Médio Oriente. Só para o Chile, foram mais de 300 mil. A metade dos caldeus – cerca de 400 mil – fugiu do Iraque devido à guerra.

Num século, os cristãos, na Turquia, passaram de 25%

para 0,13%. Pelas suas instituições abertas a todos (escolas,

hospitais, universidades), os cristãos podem ser

factores de diálogo e de contacto entre comunidades, na

sua diversidade religiosa. O seu exílio é um verdadeiro

empobrecimento cultural.

Conseguirá este Sínodo transformar esta crise mortal

numa grande oportunidade para a liberdade religiosa

no Médio Oriente?

(1) Cf. Cristianismo em Crise?, Rev. Concilium 311 – 2005/3.

 

 



publicado por animo às 21:39
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