Segunda-feira, 28 de Fevereiro de 2011
WEBANGELHO DE FREI BENTO DOMINGUES

 

IN Público 27 Fev

 

DEUS OU O DINHEIRO

1. Os textos do Evangelho de Jesus Cristo, quando

não são anestesiados, parecem exercícios de

pura provocação. Os que foram propostos na

liturgia do domingo passado e na deste (Mt 5 e

6) deixam o pregador e as comunidades, se não

forem fundamentalistas, sem saber o que pensar. Não

se pode levar a mal, mas também não muito a sério, que

Jesus, de vez em quando, se deixe levar pelo seu pendor

anarquista e surrealista.

No domingo passado, com o pretexto de levar a Lei e os

Profetas à plenitude, afrontava a religião em que nasceu e

que o devia ter moldado. A expressão olho por olho, dente

por dente, parece um modelo equilibrado de justiça: não

há direito de arrancar dois olhos a quem só arrancou um,

nem de partir os dentes todos a quem só partiu alguns.

É uma questão de bom senso e delimitação da vingança,

expressa na consagrada leide talião (Ex 21, 25+ e par.).

Jesus não propõe nenhuma emenda a essa sentença.

Parece rejeitá-la sem contemplações, avançando com o

absurdo. “Digo-vos: não resistais ao homem mau. Mas

se alguém te bater na face direita, oferece-lhe também

a esquerda. Se alguém quiser levar-te ao tribunal, para

ficar com a tua túnica, deixa-lhe também o manto. Se

alguém te obrigar a acompanhá-lo durante uma milha,

acompanha-o durante duas.”

Vaiainda mais longe. “Ouvistes o que foi dito:

amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo.

Eu, porém, digo-vos: amaios vossos inimigos e

orai por aqueles que vos perseguem para serdes

filhos do vosso Pai que está nos céus.”

Depois de ter deixado o campo livre aos

maus, ainda vem com uma proposta inacreditável:

amai os vossos inimigos. Talvez que, assim,

possa tornar os bons heróis de virtude, mas

também encoraja os maus na sua maldade.

Sei que ninguém vai seguir os ditos de Jesus

para reformular o código penal e, muito menos, se

lembrará de os usar no funcionamento do Ministério da

Justiça e dos seus agentes. No entanto, é possível que, a

outro nível, Jesus tenha absolutamente razão.

2. O espírito de vingança nunca estará satisfeito

com nenhum sentido de proporcionalidade.

Com o ódio na alma, à violência só se responde

com mais violência. A alternativa à maldade

também não pode ser a cedência de terreno

aos reis da violência. A resistência ao mal é um imperativo

ético. A tolerância implica dizer não ao intolerável.

O século passado não foi, apenas, um século terrível, foi

também o da resistência não-violenta à violência: Mahatma

Gandhi(1869-1948), Nelson Mandela (1918-) e muitos seus

seguidores einspiradores abriram o único caminho que

não tem, dentro de si, o princípio da sua degenerescência.

Dentro da atitude e da prática de resistência não-violenta

à violência, existe aintuição de que é preciso que esta

resistência não nos torne, também a nós, violentos e, por

outro lado, mostre que o ciclo da violência não tem de ser

uma fatalidade. O amor dosinimigos que Jesus propõe não

é um sentimentalismo. É uma energia de transformação,

nossa e dos outros. É uma virtude.

Jesus passou a vida a denunciar ainjustiça e a tomar a

defesa dos oprimidos e excluídos, praticou a resistência

activa ao mal. Em pleno tribunal, não deixou de assumir

a sua defesa perante o sumo sacerdote e, quando agredido,

resiste: “Se faleimal, mostra em quê, mas, se falei

bem, por que me bates?”

3. Não é com lirismo que se pagam as contas ao

fim do mês. Os desempregados que o digam.

Jesus saberia disso, quando disse aos seus

discípulos: “Ninguém pode servir a dois senhores,

porque ou há-de odiar um e amar o

outro, ou se dedicará a um e desprezará o outro. Vós não

podeis servir a Deus e ao dinheiro. Porisso vos digo: não

vos preocupeis, quanto à vossa vida, com o que haveis de

comer ou de beber, nem, quanto ao vosso corpo, com o

que haveis de vestir. Não é a vida mais do que o alimento

e o corpo mais do que o vestuário? Olhaipara as aves do

céu: não semeiam nem ceifam nem recolhem em celeiros;

o vosso Paiceleste as sustenta. Não valeis vós muito

mais do que elas?”

Estaremos perante outro exercício de provocação?

A Bíblia hebraica nunca pôs em concorrência Deus e o

dinheiro, embora a chamada “teologia da prosperidade”,

que faz desta sinal de bênção divina, tenha sido

submetida a uma crítica feroz dos profetas.

Então, por que será que Jesus põe Deus e o dinheiro

em concorrência? Por uma razão muito simples: a

sacralização do dinheiro e do seuimpério é umaidolatria.

Faz dele o absoluto critério de tudo. É preciso

sacrificar-lhe tudo e todos os valores. O rico nunca

pensa que é suficientemente rico e o pobre ou remediado

o que deseja é ser rico. A publicidadeincendeia

ainsatisfação, o desejo, para nos tornar infelizes se não

tivermos tudo, e já, que ela nos propõe.

Jesus Cristo não vê no desejo um mal nem propõe

o esvaziamento do desejo como suprema iluminação.

Propõe a conversão do desejo: onde tiveres o teu tesouro,

aí estará o teu coração. Zaqueu, o rico, percebeu

isso rapidamente. Passou a restituir o roubo, a nunca

mais se aproveitar das necessidades dos outros e a

partilhar os seus bens. Jesus comentou: “A salvação

entrou na tua casa”, o que não tinha acontecido na

parábola do jovem rico.

Não há rivalidade entre Deus e a riqueza. Há rivalidade

entre a Plenitude da Vida e a distorção do desejo que se

deixa possuir pelo fascínio do dinheiro e de tudo o que

ele exige e permite.



publicado por animo às 09:15
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