DESFAZER-ME....


A acabar as arrumações pelo sótão de Abrantes.
Não resisti a limpar o pó a quatro grandes pastas onde, desenho a desenho, esboço a esboço, calculo existirem mais de duzentos trabalhos sobre os quais lancei novo olhar. Ignorava, de todo, que estivessem por aqui estes rastos, os seus tantos rostos, que agora mais não são do que restos com mil histórias para contar.
Uma ideia tomou conta de mim para a próxima exposição com que espero encerrar esta, como dizer, celebração de 40 anos de artes plásticas:
-como numa loja de tecidos, ou saldos, imaginar uma mesa central e ali mesmo colocar estas frágeis folhas que tantas horas mereceram as minhas contidas emoções. Os visitantes da exposição serão convidados a levar um desenho para casa.
Uma espécie de "desfaço-me de tudo", um gesto franciscano aplicado, não aos trapos do "poverello" de Assis mas às minhas tantas roupas de sofridas andanças depois que deixei os franciscanos conventos.
Os desencontrados amores, as balbuciantes causas do NÃO À GUERRA COLONIAL, as carências de toda a ordem ( que saudades de um fim-de-semana a pintar, fechado no quarto ali para as bandas da Gomes Freire, a pão e fruta, porque a mesada camarária para mais não dava....) e tantas outras histórias que permanecem adormecidas nos traços do Picasso, Braque, Chagall que imaginava ser....
Logo a voz avisada de um amigo, reconhecido filósofo, a desinstalar-me de tais intentos, por muito nobres que possam ser....
Ainda não estou convencido do que venha a fazer....
Fugi quanto pude às arrumações para que Maria me convocava e ir ao sótão, às suas tantas teias, era tarefa a que torci o nariz. Mas, hoje, depois de perceber que é naquele sótão que jazem os diamantes por burilar acho que, quanto antes, vou ter de lá voltar!!! Bem que escrevi, um destes dias, "À PROCURA DE UM PRESENTE PARA O MEU PASSADO!!!"
Desfazer-me, como quem quer CONTINUAR A FAZER! SEMPRE.
antónio colaço