Domingo, 28 de Fevereiro de 2016
WEBANGELHO SEGUNDO ANSELMO BORGES

18313714_2tdsj.jpg

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

SOBRE A EUTANÁSIA:PERPLEXIDADES


Pe Anselmo Borges
in DN27Fev


1. O debate está aí. Só espero que seja sério, sereno, argumentado, sem pressas, distinguindo muito bem as questões e os conceitos. Por exemplo, todos querem a eutanásia, sim, no sentido etimológico da palavra: uma "boa morte" e também uma "morte assistida", com cuidados médicos adequados, presença afectiva, moral, espiritual. E é bom reflectir que, quando o que está em causa é viver ou morrer, não se pode pretender impor-se aos outros, para vencer a todo o custo. Aqui, não há vencedores nem vencidos: todos seremos vencidos. Mesmo para os crentes, que acreditam na vida para lá da morte, neste mundo, a morte, irreversível, é o poder que a todos derrota. Daí, o primado do combate pela vida.

2. Neste e noutros casos, há muitos que parece terem medo de referendos. Chamo a atenção para que, na base da recusa de referendar a questão, pode haver razões que posso compreender. Mas quem teme o referendo pergunte lealmente a si mesmo se, em última análise, não é também por medo de ver perdida a sua causa e por julgar que o saber sobre a questão e o modo correcto de decidir está do seu lado: de um lado - partidos (o tema não foi debatido na campanha eleitoral) e Parlamento -, estão os iluminados e, do outro, o povo ignaro, que não sabe decidir sobre o que lhe convém nem o que deve ser feito, seguindo a razão.

 

 

3. Sobre este tema, escrevi no meu livro Corpo e Transcendência. Aí cito textos que obrigam a reflectir, também do ponto de vista cristão e católico. De facto, embora a ética e a política sejam autónomas em relação à religião, não deixa de haver pontos de contacto. Assim, o teólogo A. Torres Queiruga, para quem autonomia e teonomia acabam por coincidir, escreveu, no contexto do caso bem conhecido de Ramón Sampedro: "Neste caso, como no da eutanásia ou de toda a grande decisão moral, do que se trata antes de mais e sobretudo é de buscar o bem da pessoa (da pessoa-em-sociedade, é claro). Para saber o que é que Deus quer no caso de Ramón Sampedro, nas suas circunstâncias irrepetíveis e concretas, a fé não dispõe, em última análise, de outro critério que não seja o de procurar descobrir o que é bom para ele como pessoa humana. De facto, é estritamente equivalente afirmar "isto é bom para Ramón Sampedro" e "isto é o que Deus quer para Ramón Sampedro"."

De qualquer modo, pergunta essencial é: qual é o limite para a autonomia humana no direito de dispor responsavelmente (não arbitrariamente) da sua morte? O teólogo H.M. Kuitert escreveu: "O direito à vida e o direito à morte é o núcleo da autodeterminação, é um direito inalienável e inclui a liberdade de decidir sobre o quando e o como do nosso fim, em vez de entregar essa decisão a outros ou ao resultado da intervenção médica." Se se aceita hoje como normal a intervenção livre e responsável no início da vida, com a paternidade e a maternidade responsáveis, porque é que em determinadas circunstâncias se não há-de aceitar como legítima também a intervenção responsável no termo da vida? É evidente que nenhum ser humano pode ser obrigado ou pressionado a morrer um dia ou uma hora antes que seja. Mas, por outro lado, deve alguém ser obrigado em todas e quaisquer circunstâncias a continuar a viver? Se a vida toda foi entregue por Deus à liberdade responsável do ser humano, porque é que essa liberdade, numa decisão única da própria consciência, deverá ser tirada no que se refere à última fase da vida, em situações extremas? Será de reprovar moralmente e condenar criminalmente a ajuda para pôr termo à sua vida, quando, após diagnóstico inquestionável, ameaçado, por exemplo, de demência senil talvez por longos anos, alguém quer despedir-se da vida com dignidade? É neste contexto que o famoso teólogo Hans Küng, que, após uma enorme obra teológica, quer morrer em paz, disse recentemente em Glücklich sterben (Morrer feliz): "O ser humano tem o direito de morrer quando não tem nenhuma esperança de continuar a levar o que, no seu entender, é uma existência humana."

4. Despenalizar a eutanásia? Trata-se de uma questão civilizacional, e é preciso estar bem consciente dos perigos dramáticos e temíveis que se corre. Por exemplo, com uma lei aberta à eutanásia e ao suicídio assistido, não poderá surgir depois uma pressão disfarçada e subtil sobre os doentes e os velhos, que acabará por ser interiorizada por eles, para que exerçam o direito à eutanásia "voluntária" ou ao suicídio medicamente assistido? Não se aninha aí o risco de enormes equívocos na própria terminologia: "morte por compaixão", "mercy killing", "Gnadentod"? Precisamente porque é imisericordiosa, já que assenta no economicismo e no hedonismo, a nossa sociedade cada vez menos humanista, não tendo tempo nem solidariedade compassiva para com os mais fracos - os doentes graves e os moribundos -, atira-os para o que chama a "morte misericordiosa", a "morte por compaixão"? E o Estado fica com mais um encargo: dar a morte?

 



publicado por animo às 01:54
link do post | comentar | favorito

pesquisar
 
Março 2018
Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab

1
2
3

4
5
6
7
8
9
10

11
12
13
15
16
17

18
19
20
21
22
23
24

25
26
27
28
29
30
31


posts recentes

DA ARTE E DOS ESPAÇOS INE...

OBRIGADO, MANUEL

ANTONIO COLAÇO NO "VOCÊ N...

PE ANSELMO BORGES NOS ANI...

ANA SÁ LOPES NOS AAAANIMA...

ANA SÁ LOPES NOS ANIMADOS...

O OUTRO LADO DO AAANIMADO...

LISBOAS

CHEF PEDRO HONÓRIO OU AS ...

BALANÇO FINAL . JOAQUIM L...

REGRESSARAM OS AAANIMADOS...

IN MEMORIAM ANTÓNIO ALMEI...

PE ANSELMO BORGES NÃO TE...

MINISTRO CAPOULAS SANTOS ...

WEBANGELHO SEGUNDO ANSELM...

CARDIGOS, AS CEREJAS E O ...

trip - ir a mundos onde n...

´WEBANGELHO SEGUNDO ANSEL...

ANDRÉS QUEIRUGA EM PORTUG...

WEBANGELHO SEGUNDO ANSELM...

arquivos

Março 2018

Fevereiro 2018

Janeiro 2018

Outubro 2017

Junho 2017

Maio 2017

Abril 2017

Março 2017

Fevereiro 2017

Janeiro 2017

Dezembro 2016

Novembro 2016

Outubro 2016

Setembro 2016

Agosto 2016

Julho 2016

Junho 2016

Maio 2016

Abril 2016

Março 2016

Fevereiro 2016

Janeiro 2016

Dezembro 2015

Novembro 2015

Outubro 2015

Setembro 2015

Agosto 2015

Julho 2015

Junho 2015

Maio 2015

Abril 2015

Março 2015

Fevereiro 2015

Janeiro 2015

Dezembro 2014

Novembro 2014

Outubro 2014

Setembro 2014

Agosto 2014

Julho 2014

Junho 2014

Maio 2014

Abril 2014

Março 2014

Fevereiro 2014

Janeiro 2014

Dezembro 2013

Novembro 2013

Outubro 2013

Setembro 2013

Agosto 2013

Julho 2013

Junho 2013

Maio 2013

Abril 2013

Março 2013

Fevereiro 2013

Janeiro 2013

Dezembro 2012

Novembro 2012

Outubro 2012

Setembro 2012

Agosto 2012

Julho 2012

Junho 2012

Maio 2012

Abril 2012

Março 2012

Fevereiro 2012

Janeiro 2012

Dezembro 2011

Novembro 2011

Outubro 2011

Setembro 2011

Agosto 2011

Julho 2011

Junho 2011

Maio 2011

Abril 2011

Março 2011

Fevereiro 2011

Janeiro 2011

Dezembro 2010

Novembro 2010

Outubro 2010

Setembro 2010

Agosto 2010

Julho 2010

Junho 2010

Maio 2010

Abril 2010

Março 2010

Fevereiro 2010

Janeiro 2010

Dezembro 2009

Novembro 2009

Outubro 2009

Setembro 2009

Agosto 2009

Julho 2009

Junho 2009

Maio 2009

Abril 2009

Março 2009

Fevereiro 2009

Janeiro 2009

Dezembro 2008

Novembro 2008

tags

todas as tags

links









































































































































































































subscrever feeds