Segunda-feira, 19 de Setembro de 2016
WEBANGELHO SEGUNDO ANSELMO BORGES

19887754_cP05B.jpg

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Pe Anselmo Borges
In DN 17 Setembro

PARA ONDE VÃO OS MORTOS?

 

1. A gente nunca tem tempo. E vamos adiando, adiando... De repente, a notícia cai, brutal. E aí temos de ter tempo, porque é para a última despedida, pois chegou o nunca mais para sempre neste mundo. E vamos. E não há palavras para dizer qualquer coisa que seja minimamente eco daquilo que está cá dentro e que quereríamos dizer aos próximos, à mulher, ao marido, aos filhos... Fica tudo muito sombrio e desengonçado. Por fora, mantém-se uma compostura, mas por dentro é um abalo sísmico numa distância incomensurável, porque é entre o tempo e a eternidade, entre o finito e o infinito. Por mais natural que aquilo tudo pareça. Nesta nossa sociedade da banalidade rasa e carcomida, criámos essa ilusão da naturalidade do que é tudo menos natural: a naturalidade da morte. Sim, ela é o mais natural que há, mas... sobre ela as perguntas atropelam-se. Porquê?

Desta vez, quem se me foi embora foi o amigo José Rodrigues. Sim. O escultor, o artista de tantas artes. Tinha prometido várias vezes a mim mesmo que ia lá vê-lo. Mas nunca havia tempo. Depois, a notícia, cortante, chegou. E lá fui eu, nas circunstâncias que já disse. Apesar de todas as palavras, num silêncio de chumbo. Até me lembrei daquele anúncio a contar como alguém já de idade, para juntar a família num jantar, teve de inventar um anúncio do seu próprio funeral. E compareceram todos...

Não me compete a mim sublinhar e exaltar a figura ímpar na cultura portuguesa que José Rodrigues foi e é como artista multifacetado em quem habitou o génio divino da Arte. E era um homem simples, amigo, com brilho e imenso humor. Acima, muito acima da banalidade do efémero. A sua obra, imensa, está aí, ensinando-nos a ver o que se vê, mas que nunca tínhamos visto como agora vemos que é possível e necessário ver, para nos erguermos à nossa altura, para cima, mais para cima, para o Divino.

Da primeira vez que nos encontrámos, fez-me seu irmão. Para ele, a irmandade em humanidade era uma evidência. E disse publicamente também que seria ele a fazer as capas de todos os livros que fosse escrevendo. E assim foi, na sua generosidade para comigo: Janela do (In)visível; Deus no Século XXI e o Futuro do Cristianismo; Religião: Opressão ou Libertação?; Janela do (In)finito; Corpo e Transcendência (que esplendor!); Deus e o Sentido da Existência; Quem Foi - Quem é Jesus Cristo? Uma dívida que nunca poderei saldar. Já não pôde fazer a deste último, que acaba de sair: Deus, Religiões, (In)Felicidade.

Um artista verdadeiro tem a sua morada no Sagrado. Por isso pode viver distanciado da religião institucional, mas o Mistério pertence ao seu convívio íntimo. Quem não se exalta e recolhe naquela sua colecção de Cristos? Só um exemplo. O Sagrado e o seu mistério na crueza do sofrimento, anunciando transfiguração (são ele). Uma vez disse--me: "Se Deus fosse mesmo meu amigo, punha-me tinta de várias cores a sair dos dedos para poder pintar directamente". E fez-me muitas vezes a pergunta: "Anselmo, para onde vamos quando morrermos?"

 

2. Nestes termos ou parecidos, esta é a pergunta que está aí, in-finita, desde que na história da evolução o ser humano deu entrada. Diante dela, a variedade de respostas é uma história longa, que esbarra sempre com um abismo de perplexidade, assim, com Pascal: "Incompreensível que Deus exista, e incompreensível que não exista; que a alma seja com o corpo, que não tenhamos alma; que o mundo seja criado, que o não seja, etc." Este "etc." não tem fim, incluindo também: incompreensível que haja vida depois da morte, que com a morte acabe tudo.

Onde é que eu estarei quando cá já não estiver?, é a pergunta lancinante que Tolstoi coloca na boca de Ivan Ilitch moribundo. "Para onde vão os mortos", perguntava o filósofo B. Welte. E reflectia: para o Silêncio? Para o Nada? É este Nada que a todos espera. Ninguém pode escapar-lhe. E não há ninguém que alguma vez tenha voltado. Nesta situação-limite ergue-se, cortante, a pergunta ineliminável: "Porque é que há algo e não pura e simplesmente nada?", a pergunta propriamente metafísica.

Esta dimensão inobjectivável e para lá do conceptualizável da transcendência não é construída pelo ser humano mediante o pensamento. Pelo contrário, é o pensamento que é desafiado por ela, e é o ser humano que é inevitavelmente confrontado com ela.

Não está, à partida, decidido como deve ser interpretado este Silêncio e este Nada. Trata-se de um silêncio morto ou de um Silêncio vivo, habitado? Trata-se de um nada negativo ou de um Nada enquanto ocultação absoluta do Mistério vivo, como quando dizemos: aqui não vejo nada, mas sabendo que lá pode estar algo e até o essencial? Quando se olha para o Sol não se vê nada, tal é o excesso de luz.

Este nada é pura e simplesmente nada, e assim tudo é sem sentido último, ou, pelo contrário, o Nada experienciado na morte é a figura do Mistério oculto que a tudo dá sentido e fundamento?

José Rodrigues não foi embora. Ele está onde sempre esteve. No Sagrado. Na Beleza.

COMENTÁRIO
As andanças dos últimos dias afastaram-me do fio condutor das notícias.
Foi pela leitura do meu querido amigo Pe Anselmo que acabei de saber da morte do grande artista José Rodrigues.
Contactei com ele numa longínqua acção de formação na Cooperativa Árvore mas acompanhei não de tão perto quanto desejaria a sua vida e obra.
2
Mas...o que verdadeiramente quero exaltar é a "rendição" de Anselmo à morte do Amigo.
Um texto espantoso, que me convoca para o lado condoído de Jesus Cristo ao receber a notícia da morte de Lázaro.
Atrevo-me a dizer que este WEBANGELHO, de um esplendor estonteante, quase que nos deixa na expectativa de que Anselmo , "se estivesse lá", tal como disse a irmã de Lázaro, tudo teria feito, ou, vou mas longe, como que devolve Zé Rodrigues à Vida, ao "Sagrado, à Beleza"!!!
O Zé Rodrigues não morreu. Anselmo ressuscitou-o e mais nos faz acreditar que NUNCA MORREREMOS.
Obrigado, querido Padre.
antónio colaço
 





publicado por animo às 00:40
link do post | comentar | favorito

pesquisar
 
Março 2018
Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab

1
2
3

4
5
6
7
8
9
10

11
12
13
15
16
17

18
19
20
21
22
23
24

25
26
27
28
29
30
31


posts recentes

DA ARTE E DOS ESPAÇOS INE...

OBRIGADO, MANUEL

ANTONIO COLAÇO NO "VOCÊ N...

PE ANSELMO BORGES NOS ANI...

ANA SÁ LOPES NOS AAAANIMA...

ANA SÁ LOPES NOS ANIMADOS...

O OUTRO LADO DO AAANIMADO...

LISBOAS

CHEF PEDRO HONÓRIO OU AS ...

BALANÇO FINAL . JOAQUIM L...

REGRESSARAM OS AAANIMADOS...

IN MEMORIAM ANTÓNIO ALMEI...

PE ANSELMO BORGES NÃO TE...

MINISTRO CAPOULAS SANTOS ...

WEBANGELHO SEGUNDO ANSELM...

CARDIGOS, AS CEREJAS E O ...

trip - ir a mundos onde n...

´WEBANGELHO SEGUNDO ANSEL...

ANDRÉS QUEIRUGA EM PORTUG...

WEBANGELHO SEGUNDO ANSELM...

arquivos

Março 2018

Fevereiro 2018

Janeiro 2018

Outubro 2017

Junho 2017

Maio 2017

Abril 2017

Março 2017

Fevereiro 2017

Janeiro 2017

Dezembro 2016

Novembro 2016

Outubro 2016

Setembro 2016

Agosto 2016

Julho 2016

Junho 2016

Maio 2016

Abril 2016

Março 2016

Fevereiro 2016

Janeiro 2016

Dezembro 2015

Novembro 2015

Outubro 2015

Setembro 2015

Agosto 2015

Julho 2015

Junho 2015

Maio 2015

Abril 2015

Março 2015

Fevereiro 2015

Janeiro 2015

Dezembro 2014

Novembro 2014

Outubro 2014

Setembro 2014

Agosto 2014

Julho 2014

Junho 2014

Maio 2014

Abril 2014

Março 2014

Fevereiro 2014

Janeiro 2014

Dezembro 2013

Novembro 2013

Outubro 2013

Setembro 2013

Agosto 2013

Julho 2013

Junho 2013

Maio 2013

Abril 2013

Março 2013

Fevereiro 2013

Janeiro 2013

Dezembro 2012

Novembro 2012

Outubro 2012

Setembro 2012

Agosto 2012

Julho 2012

Junho 2012

Maio 2012

Abril 2012

Março 2012

Fevereiro 2012

Janeiro 2012

Dezembro 2011

Novembro 2011

Outubro 2011

Setembro 2011

Agosto 2011

Julho 2011

Junho 2011

Maio 2011

Abril 2011

Março 2011

Fevereiro 2011

Janeiro 2011

Dezembro 2010

Novembro 2010

Outubro 2010

Setembro 2010

Agosto 2010

Julho 2010

Junho 2010

Maio 2010

Abril 2010

Março 2010

Fevereiro 2010

Janeiro 2010

Dezembro 2009

Novembro 2009

Outubro 2009

Setembro 2009

Agosto 2009

Julho 2009

Junho 2009

Maio 2009

Abril 2009

Março 2009

Fevereiro 2009

Janeiro 2009

Dezembro 2008

Novembro 2008

tags

todas as tags

links









































































































































































































subscrever feeds