Para certas gripes não bastam aspirinas e chá de tília
1. Dizem-me que a Igreja Católica, em Portugal, está a cair de sono. Alguns acrescentam: pode dormir à vontade porque só quando Fátima entrar em crise é que será preciso algum cuidado. Ainda não chegamos aí.
Bocas são bocas e má-língua é má-língua. Para o confronto com a realidade, talvez fosse preferível promover algumas sondagens e iniciativas de jornalismo de investigação para responder às seguintes questões:
Como reagem, que dizem e fazem os católicos portugueses – sejam eles leigos, religiosos, padres e/ou bispos – perante as atitudes, as intervenções, os gestos e as declarações do Papa Francisco?
Qual a influência das suas orientações no modo de viver a fé cristã nas paróquias, nas dioceses, nos movimentos, nas congregações religiosas, nos colégios e na universidade católica?
Como é recebida na vida pessoal, familiar, profissional, na intervenção social e política o seu exemplo e as suas propostas?
Será verdade que, na Igreja em Portugal, se desenvolvem várias formas de resistência activa e passiva à linha pastoral de Bergoglio?
Ter-se-á passado da papolatria para a Bergoglio-alergia?
Disseram-me que era muito duvidoso que alguém se pudesse interessar por um projecto desses. De qualquer forma, aqui fica a sugestão.
Estas interrogações vieram-me de muitos lados, mas foi sobretudo aquilo que o próprio Papa Francisco disse na audiência à Cúria Romana, nos votos de Natal e Ano Novo, que as tornou inevitáveis [1].
Lembrou que no primeiro encontro, em 2013, tinha salientado dois aspectos do trabalho curial: o profissionalismo e o serviço; em 2014, abordou algumas tentações e doenças, o “catálogo das doenças curiais”; hoje, porém, diz o Papa, devo falar dos “antibióticos curiais” – que poderiam afectar cada cristão, a cúria, a comunidade, a congregação, a paróquia e o movimento eclesial; doenças que requerem prevenção, vigilância, cuidado e, infelizmente, em certos casos, intervenções dolorosas e prolongadas.
Algumas dessas doenças manifestaram-se no decurso deste ano, causando não pouco sofrimento a todo o corpo e ferindo muitas almas, mesmo com o escândalo.
Forçoso é dizer que isto foi – e sê-lo-á sempre – objecto de sincera reflexão e de medidas decisivas. A reforma prosseguirá com determinação, lucidez e ardor, porque: Ecclesia semper reformanda.
(…) Além disso, as próprias resistências, fadigas e quedas das pessoas e dos ministros constituem lições e oportunidades de crescimento, e nunca de desânimo. São oportunidade para “voltar ao essencial”, que significa avaliar a consciência que temos de nós mesmos, de Deus, do próximo, do “ sensus Ecclesiae” e do “sensus fidei” [2].
2. Bergoglio, depois de falar do sentido do profissionalismo e do serviço no trabalho curial, do catálogo das doenças e dos antibióticos curiais – aparentemente sem os nomear – concretiza-os num ”catálogo das virtudes necessárias” para quem presta serviço na Cúria e para todos aqueles que querem tornar fecunda a sua consagração ou o seu serviço à Igreja.
Este catálogo, que não pretende ser exaustivo, resulta de cada uma das letras da palavra misericórdia dispostas em acróstico.
Depois da sua engenhosa explanação – e que não podemos reproduzir aqui – conclui: seja a misericórdia a guiar os nossos passos, a inspirar as nossas reformas, a iluminar as nossas decisões; seja ela a coluna sustentáculo do nosso agir; seja ela a ensinar-nos quando devemos avançar e quando devemos recuar um passo; seja ela a fazer-nos ler a pequenez das nossas acções no grande projecto de salvação de Deus e na majestade misteriosa da sua obra [3].
3. Por que será que o Papa se preocupa tanto em elaborar catálogos de doenças, de antibióticos-virtudes curativas?
Para ele, a Igreja é um hospital de campanha. Quando surgem acidentes, importa saber rapidamente o que é preciso fazer.
“A Igreja não está no mundo para condenar, mas para permitir o encontro com aquele amor visceral que é a misericórdia de Deus. Para que isso aconteça, repito-o muitas vezes, é necessário sair. Sair das igrejas e das paróquias, sair e ir procurar as pessoas onde elas vivem, sofrem, esperam. O hospital de campanha, a imagem com a qual gosto de descrever esta situação “Igreja em saída”, tem a característica de estar onde se combate: não é a estrutura sólida, dotada de tudo, onde se vai curar as pequenas e grandes doenças. É uma estrutura móvel, de primeiros socorros, de intervenção imediata, para evitar que os combatentes morram. Pratica-se a medicina de urgência, não se fazem check-ups especializados. Espero que o Jubileu Extraordinário faça emergir cada vez mais o rosto de uma Igreja que redescobre as entranhas maternas da misericórdia e que vai ao encontro de muitos “feridos” necessitados de compreensão, perdão, amor e de serem ouvidos” [4].
Para certas gripes não bastam aspirinas e chá de tília.
[1] Cf. Discurso à Cúria Romana por ocasião das felicitações de Natal (21.12.2015)
[2] As citações são do texto referido na nota 1.
[3] Continuo a citar o texto referido
[4] Cf. Andrea Tornielli, Francisco, O nome de Deus é Misericórdia. Ed Planeta, Lisboa, 2015, pp. 63-64.
COMENTÁRIO
“A Igreja não está no mundo para condenar, mas para permitir o encontro com aquele amor visceral que é a misericórdia de Deus. Para que isso aconteça, repito-o muitas vezes, é necessário sair. Sair das igrejas e das paróquias, sair e ir procurar as pessoas onde elas vivem, sofrem, esperam."
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Tal como deixei escrito no texto do Pe Anselmo, este Deus misericordioso feito de uma misericórdia a retalho, um Deus à medida, um Deus que perdoa tudo SÓ a quem passe nas portas da misericórdia.....esse Deus dá muito jeito.
Agora aquele que verdadeiramente nos pede que saiamos do bem bom da nossa instalaçãozinha, Esse, dá muito trabalho. Nada que não se resolva com uma confissãozita, umas indulgências plenárias...
Não desista, Papa Francisco, não desista Frei Bento e Pe Anselmo, todos, enfim, os que nos rendemos ao Deus que verdadeiramente nos quer amar sem quaisquer condições.
antónio colaço
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